Todavia não se lembrava bem, tinha apenas uma vaga ideia de grandes rochas e de nascentes de águas vivas... E terminou por confessar que desde os nove anos não voltara a Sintra.
O que! o maestro não conhecia Sintra?... Então era necessário ficarem lá, fazer as peregrinações clássicas, subir à Pena, ir beber água à Fonte dos Amores, barquejar na várzea...
- A mim o que me está a apetecer muito é Sitiais; e a manteiga fresca.
- Sim, muita manteiga, disse Carlos. E burros, muitos burros... Enfim, uma écloga!
O break rodava na estrada de Benfica: iam passando muros enramados de quintas, casarões tristonhos de vidraças quebradas, vendas com o seu maço de cigarros à porta dependurado de uma guita: e a menor árvore, qualquer bocado de relva com papoulas, um fugitivo longe de colina verde, encantavam Cruges. há que tempos ele não via o campo!
Pouco a pouco o sol elevara-se. O maestro desembaraçou-se do seu grande cachenés. Depois, encalmado, despiu o paletó – e declarou-se morto de fome.
Felizmente estavam chegando à Porcalhota.
O seu vivo desejo seria comer o famoso coelho guisado, - mas, como era cedo para esse acepipe, decidiu-se, depois de pensar muito, por uma bela pratada de ovos com chouriço. Era uma coisa que não provava havia anos, e que lhe daria a sensação de estar na aldeia... Quando o patrão, com um ar importante e como fazendo um favor, pousou sobre a mesa sem toalha a enorme travessa com o petisco, Cruges esfregou as mãos, achando aquilo deliciosamente campestre.
- A gente em Lisboa estraga a saúde! disse ele, puxando para o prato uma montanha de ovo e chouriço. Tu não tomas nada?...
Carlos, para lhe fazer companhia, aceitou uma chávena de café.
Daí a pouco Cruges, que devorava, exclamou com a boca cheia:
- O Reno também deve ser magnífico!
Carlos olhou-o espantado e rindo. A que vinha agora ali o Reno?... É que o maestro, desde que saíra as portas, estava cheio de ideias de viagens e de paisagens; queria ver as grandes montanhas onde há neve, os rios de que se fala na História.