Os Maias - Cap. 8: Capítulo 8 Pág. 208 / 630

Foram-no encontrar triunfante, diante de um montão de penedos, polidos pelo uso, já com um vago feitio de assentos, deixados ali outrora, poeticamente, para dar ao terraço uma graça agreste de selva brava. Então, não dizia ele? Bem dizia ele que em Sitiais havia penedos!

- Se eu me lembrava perfeitamente! Penedo da Saudade, não é que se chama, Alencar?

Mas o poeta não respondeu. Diante daquelas pedras cruzara os braços, sorria dolorosamente; e imóvel, sombrio no seu fato negro, com o panamá carregado para a testa, envolveu todo aquele recanto num olhar lento e triste.

Depois, no silêncio, a sua voz ergueu-se, saudosa e dolente:

- Vocês lembram-se, rapazes, nas Flores e Martírios, de uma das coisas melhores que lá tenho, em rimas livres, chamada 6 de Agosto? Não se lembram talvez... Pois eu vo-la digo, rapazes!

Maquinalmente tirara do bolso o lenço branco. E com ele flutuante na mão, puxando Carlos para junto de si, chamando do outro lado o Cruges, baixou a voz como numa confidência sagrada, recitou, com um ardor surdo, mordendo as silabas, trémulo, numa paixão efémera de nervoso:

Vieste! Cingi-te ao peito.

Em redor que noite escura!

Não tinha rendas o leito,

Nem tinha lavores na barra

Que era só a rocha dura...

Muito ao longe uma guitarra

Gemia vagos harpejos...

(Vê tu que não me esqueceu)...

E a rocha dura aqueceu

Ao calor dos nossos beijos!

Esteve um momento embebendo o olhar nas pedras brancas batidas do sol, atirou para lá um gesto triste, e murmurou:

- Foi ali.

E afastou-se, alquebrado sob o seu grande chapéu panamá, com o lenço branco na mão. Cruges, que aqueles romantismos impressionavam, ficou a olhar para os penedos como para um sítio histórico. Carlos sorria. E quando ambos deixaram esse recanto do terraço - o poeta, agachado junto do arco, estava apertando o atilho da ceroula.

Endireitou-se logo, já toda a emoção o deixara, mostrava os maus dentes num sorriso amigo, e exclamou, apontando para o arco:

- Agora, Cruges, filho, repara tu naquela tela sublime.

O maestro embasbacou.





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