Os Maias - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 241 / 630

- Não queremos saber, disse Carlos. Cala-te, tu estás bêbado, miserável!

Ega ergueu-se, retesando a perna, arrimado de lado à mesa.

Bêbado! Ele? Ora essa!... Era coisa que não podia, era empiteirar-se. Tinha feito o possível, bebido tudo, até água raz. Nunca! Não podia...

- Olha, vou pôr aquela garrafa à boca, tu verás... E fico frio, fico impassível. A discutir filosofia... Queres que te diga o que penso de Darwin? É uma besta... Ora aí tens. Dá cá a garrafa.

Mas Craft recusou-lha; e, um momento Ega ficou oscilando, a olhar para ele, com a face lívida.

- Ou me dás a garrafa... ou me dás a garrafa, ou te meto uma bala no coração... Não, nem vales a bala... Vou-te dar uma bolacha!

De repente os olhos cerraram-se-lhe, abateu-se sobre a cadeira, daí sobre o chão, como um fardo.

- Terra! disse tranquilamente Craft.

Tocou a campainha, o escudeiro entrou, apanharam João da Ega. E enquanto o levavam para o quarto dos hóspedes e lhe despiam o fato de Satanás, não cessou de choramingar, dando beijos babosos pelas mãos de Carlos, balbuciando:

- Rachelsinha!... Racaqué, minha Raquesinha! gostas do teu bibichinho?...

Quando Carlos partiu na tipoia para Lisboa, não chovia, um vento frio ia varrendo o céu, já clareava a alvorada.

Ao outro dia, às dez horas, Carlos voltou aos Olivais. Achou Craft dormindo, e subiu ao quarto do Ega. As janelas tinham ficado abertas, um largo raio de sol dourava o leito; e ele ressonava ainda, no meio daquela aureola, deitado de lado, com os joelhos contra o estômago, o nariz dentro dos lençóis.

Quando Carlos o sacudiu, o pobre John abriu um olho triste, e bruscamente ergueu-se sobre o cotovelo, espantado para o quarto, para os cortinados de damasco verde, para um retrato de dama empoada que lhe sorria de dentro da sua moldura dourada. Decerto as memórias da véspera o assaltaram, porque se enterrou para baixo, com os lençóis até ao queixo; e a sua face esverdeada, envelhecida, exprimiu a desconsolação de deixar aqueles fofos colchões, a paz confortável da quinta - para ir afrontar a Lisboa toda a sorte de coisas amargas.





Os capítulos deste livro