Vendo-a assim cercada, Carlos afastou-se. Justamente o olhar de D. Maria, que o não deixara, chamava-o agora, mais carinhoso e vivo. Quando ele se chegou, ela puxou-lhe pela manga, fê-lo debruçar, para lhe murmurar ao ouvido, deliciada:
- Está hoje tão galante!
- Quem?
D. Maria encolheu os ombros, impaciente.
- Ora quem! Quem há-de ser? O menino sabe.
- Muito galante, com efeito, disse Carlos friamente.
De pé, junto de D. Maria, tirando devagar uma cigarrete, ele ruminava, quase com indignação, as palavras da condessa. Ir com ela para o Porto!... E via ali outra exigência audaz, a mesma tendência impertinente a dispor do seu tempo, dos seus passos, da sua vida! Tinha um desejo de voltar junto dela, dizer-lhe que não, secamente, desabridamente, sem motivos, sem explicações, como um brutal.
Acompanhada em silêncio pelo esguio secretário de Steinbroken, ela vinha agora caminhando lentamente para ele: e o olhar alegre com que o envolvia irritou-o mais, sentindo no seu brilho sereno, no sorrir calmo, quanto ela estava certa da sua submissão.
E estava. Apenas o finlandês se afastou languidamente - ela, muito tranquila, ali mesmo junto de D. Maria, falando em inglês, e apontando para a pista como se comentasse os cavalos do Darque, explicou-lhe um plano que imaginara, encantador. Em lugar de partir na terça-feira para o Porto - ia na segunda à noite, só com a criada escocesa, sua confidente, num compartimento reservado. Carlos tomava o mesmo comboio. Em Santarém, desciam ambos, muito simplesmente, e iam passar a noite ao hotel. No dia seguinte ela seguia para o Porto, ele recolhia a Lisboa...
Carlos abria os olhos para ela, assombrado, emudecido. Não esperava aquela extravagância. Supusera que ela o queria no Porto, escondido no Francfort, para passeios românticos à Foz, ou visita furtivas a algum casebre da Aguardente... Mas a ideia de uma noite, num hotel, em Santarém!
Terminou por encolher os ombros, indignado.