Os Maias - Cap. 11: Capítulo 11 Pág. 309 / 630

Se Cri-cri tem uma cómoda particular, o seu guarda-vestidos, não se lhe deviam perder as coisas... pois não é verdade, Sr. Carlos da Maia?

Ele, ainda com a sua receita na mão, sorria também, sem dizer nada, todo no enternecimento daquela intimidade em que se sentia penetrar docemente.

A pequena então veio encostar-se à mãe, roçando-se pelo seu braço, com uma vozinha lânguida, lenta, e de mimo:

- Anda, dize... Não sejas má... Anda... Onde está o robe-de-chambre? Dize...

Levemente, com a ponta dos dedos, Maria Eduarda arranjou-lhe o pequenino laço de seda branca que lhe pendia no alto cabelo. Depois ficou mais séria:

- Está bem, está quieta... Tu sabes que não sou eu que trata dos arranjos da Cri-cri. Devias ter mais ordem... Vai perguntar a Melanie.

E Rosa obedeceu logo, séria também, cumprimentando agora Carlos ao passar, com um arzinho senhoril:

- Bonjour, Monsieur...

- É encantadora! murmurou ele.

A mãe sorriu. Tinha acabado de compor o seu ramo de cravos; - e imediatamente atendeu a Carlos, que pousara a receita sobre a mesa, e sem se apressar, instalando-se numa poltrona, lhe foi falando da dieta que devia ter miss Sarah, das colheres de xarope de codeína que se lhe deviam dar de três em três horas...

- Pobre Sarah! dizia ela. E é curioso, não é verdade? Veio com o pressentimento, quase com a certeza, que havia de adoecer em Portugal...

- Então vem a detestar Portugal!

- Oh! Tem-lhe já horror! Acha muito calor, por toda a parte maus cheiros, a gente hedionda... Tem medo de ser insultada na rua... Enfim é infelicíssima, está ardendo por se ir embora...

Carlos ria daquelas antipatias saxónias. De resto em muitas coisas a boa miss Sarah tinha talvez razão...

- E V. Ex.ª tem-se dado bem em Portugal, minha senhora?

- Ela encolheu os ombros, indecisa.

- Sim... Devo dar-me bem... É o meu país.

O seu país!... E ele que a julgava brasileira!

- Não, sou portuguesa.

E, durante um momento, houve um silêncio. Ela tomara de sobre a mesa, abria lentamente um grande leque negro pintado de flores vermelhas. E Carlos sentia, sem saber porque, uma doçura nova penetrar-lhe no coração.





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