Se Cri-cri tem uma cómoda particular, o seu guarda-vestidos, não se lhe deviam perder as coisas... pois não é verdade, Sr. Carlos da Maia?
Ele, ainda com a sua receita na mão, sorria também, sem dizer nada, todo no enternecimento daquela intimidade em que se sentia penetrar docemente.
A pequena então veio encostar-se à mãe, roçando-se pelo seu braço, com uma vozinha lânguida, lenta, e de mimo:
- Anda, dize... Não sejas má... Anda... Onde está o robe-de-chambre? Dize...
Levemente, com a ponta dos dedos, Maria Eduarda arranjou-lhe o pequenino laço de seda branca que lhe pendia no alto cabelo. Depois ficou mais séria:
- Está bem, está quieta... Tu sabes que não sou eu que trata dos arranjos da Cri-cri. Devias ter mais ordem... Vai perguntar a Melanie.
E Rosa obedeceu logo, séria também, cumprimentando agora Carlos ao passar, com um arzinho senhoril:
- Bonjour, Monsieur...
- É encantadora! murmurou ele.
A mãe sorriu. Tinha acabado de compor o seu ramo de cravos; - e imediatamente atendeu a Carlos, que pousara a receita sobre a mesa, e sem se apressar, instalando-se numa poltrona, lhe foi falando da dieta que devia ter miss Sarah, das colheres de xarope de codeína que se lhe deviam dar de três em três horas...
- Pobre Sarah! dizia ela. E é curioso, não é verdade? Veio com o pressentimento, quase com a certeza, que havia de adoecer em Portugal...
- Então vem a detestar Portugal!
- Oh! Tem-lhe já horror! Acha muito calor, por toda a parte maus cheiros, a gente hedionda... Tem medo de ser insultada na rua... Enfim é infelicíssima, está ardendo por se ir embora...
Carlos ria daquelas antipatias saxónias. De resto em muitas coisas a boa miss Sarah tinha talvez razão...
- E V. Ex.ª tem-se dado bem em Portugal, minha senhora?
- Ela encolheu os ombros, indecisa.
- Sim... Devo dar-me bem... É o meu país.
O seu país!... E ele que a julgava brasileira!
- Não, sou portuguesa.
E, durante um momento, houve um silêncio. Ela tomara de sobre a mesa, abria lentamente um grande leque negro pintado de flores vermelhas. E Carlos sentia, sem saber porque, uma doçura nova penetrar-lhe no coração.