Os Maias - Cap. 12: Capítulo 12 Pág. 361 / 630

Ela sorriu.

- Quantas palavras para converter uma convertida!

E tudo ficou harmonizado num grande beijo.

Afonso da Maia aprovou plenamente a compra das colecções do Craft. «É um valor, disse ele ao Vilaça, e acabamos de encher com boa arte Santa-Olávia e o Ramalhete.»

Mas o Ega indignou-se, chegou a falar em «desvario», despeitado por essa transacção secreta para que não fora consultado. O que o irritava sobretudo era ver, nesta aquisição inesperada de uma casa de campo, outro sintoma do grave e do fundo segredo que pressentia na vida de Carlos: e havia já duas semanas que ele habitava o Ramalhete e Carlos ainda não lhe fizera uma confidência!... Desde a sua ligação de rapazes em Coimbra, nos Paços de Cela, fora ele o confessor secular de Carlos: mesmo em viagem, Carlos não tinha uma aventura banal de hotel, de que não mandasse ao Ega «um relatório». O romance com a Gouvarinho, de que Carlos ao princípio tentara, frouxamente, guardar um mistério delicado, já o conhecia todo, já lera as cartas da Gouvarinho, já passara pela casa da titi...

Mas do outro segredo não sabia nada - e considerava-se ultrajado. Via rodas as manhãs Carlos partir para a rua de S. Francisco, levando flores; via-o chegar de lá, como ele dizia, «besuntado de êxtase»; via-lhe os silêncios repassados de felicidade, e esse indefinido ar, ao mesmo tempo sério e ligeiro, risonho e superior, do homem profundamente amado... E não sabia nada.

Justamente alguns dias depois, estando ambos sós, a falar de planos de verão, Carlos aludiu aos Olivais, com entusiasmo, relembrando algumas das preciosidades do Craft, o doce sossego da casa, a clara vista do Tejo... Aquilo realmente fora obter por uma mão cheia de libras um pedaço do paraíso...

Era à noite, no quarto de Carlos, já tarde. E o Ega, que passeara com as mãos nas algibeiras do robe-de-chambre, encolheu os ombros, impaciente, farto daqueles louvores eternos a casinhola do Craft.





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