Os Maias - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 39 / 630

Os olhos enchiam-se-lhe de uma bela luz de ternura; parecia esquecer a agonia do filho, a vergonha domestica; agora só havia ali aquela facezinha tenra, que se lhe babava nos braços...

- Como se chama ele?

- Carlos Eduardo, murmurou a ama.

- Carlos Eduardo, hein?

Ficou a olha-lo muito tempo, como procurando nele os sinais da sua raça: depois tomou-lhe na sua as duas mãozinhas vermelhas

que não largavam o guiso, e muito grave, como se a criança o percebesse, disse-lhe:

- Olha bem para mim. Eu sou o avô. É necessário amar o avô!

E àquela forte voz, o pequeno, com efeito, abriu os seus lindos olhos para ele, sérios de repente, muito fixos, sem medo das barbas grisalhas: depois rompeu a pular-lhe nos braços, desprendeu a mãozinha, e martelou-lhe furiosamente a cabeça com o guiso.

Toda a face do velho sorria àquela viçosa alegria; apertou-o ao seu largo peito muito tempo, pôs-lhe na face um beijo longo, consolado, enternecido, o seu primeiro beijo de avô; depois, com todo o cuidado, foi colocá-lo nos braços da ama.

- Vá, ama, vá... A Gertrudes já lá anda a arranjar-lhe o quarto, vá ver o que é necessário.

Fechou a porta, e veio sentar-se junto do filho que se não movera do canto do sofá, nem despregara os olhos do chão.

- Agora desabafa, Pedro, conta-me tudo... Olha que nos não vemos há três anos, filho...

- Há mais de três anos, murmurou Pedro.

Ergueu-se, alongou a vista à quinta, tão triste sob a chuva; depois, derramando-a morosamente pela livraria, considerou um momento o seu próprio retrato, feito em Roma aos doze anos, todo de veludo azul, com uma rosa na mão. E repetia ainda amargamente:

- Tinha razão, meu pai, tinha razão...

E pouco a pouco, passeando e suspirando, começou a falar daqueles últimos anos, o inverno passado em Paris, a vida em Arroios, a intimidade do italiano na casa, os planos de reconciliação, por fim aquela carta infame, sem pudor, invocando a fatalidade, arremessando-lhe o nome do outro!... No primeiro momento tivera só ideias de sangue e quisera persegui-los. Mas conservava um clarão de razão. Seria ridículo, não é verdade?





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