Os Maias - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 40 / 630

Decerto a fuga fora de antemão preparada, e não havia de ir correndo as estalagens da Europa à busca de sua mulher... Ir lamentar-se à polícia, fazê-los prender? Uma imbecilidade; nem impedia que ela fosse já por esses caminhos fora dormindo com outro... Restava-lhe somente o desprezo. Era uma bonita amante que tivera alguns anos, e fugira com um homem. Adeus! Ficava-lhe um filho, sem mãe, com um mau nome. Paciência! Necessitava esquecer, partir para uma longa viagem, para a América talvez; e o pai veria, havia de voltar consolado e forte.

Dizia estas coisas sensatas, passeando devagar, com o charuto apagado nos dedos, numa voz que se calmava. Mas de repente parou diante do pai, com um riso seco, um brilho feroz nos olhos.

- Sempre desejei ver a América, e é boa ocasião agora... É uma ocasião famosa, hein? Posso até naturalizar-me, chegar a presidente, ou rebentar... Ah! Ah!

- Sim, mais tarde, depois pensarás nisso, filho, acudiu o velho assustado.

Nesse momento a sineta do jantar começou a tocar lentamente, ao fundo do corredor.

- Ainda janta cedo, hein? disse Pedro.

Teve um suspiro cansado e lento, murmurou:

- Nós jantávamos às sete...

Quis então que o pai fosse para a mesa. Não havia motivo para que se não jantasse. Ele ia um bocado acima, ao seu antigo quarto de solteiro... Ainda lá tinha a cama, não é verdade? Não, não queria tomar nada...

- O Teixeira que me leve um cálice de genebra... Ainda cá está o Teixeira, coitado!

E vendo Afonso sentado, repetiu, já impaciente:

- Vá jantar meu pai, vá jantar, pelo amor de Deus...

Saiu. O pai ouviu-lhe os passos por cima, e o ruído de janelas desabridamente abertas. Foi então andando para a sala de jantar, onde os criados que pela ama sabiam decerto o desgosto se moviam em pontas de pés, com a lentidão contristada de uma casa onde há

morte. Afonso sentou-se à mesa só; mas já lá estava outra vez o talher de Pedro; rosas de inverno esfolhavam-se num vaso do Japão; e o velho papagaio agitado com a chuva mexia-se furiosamente no poleiro.





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