Os Maias - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 399 / 630

Abriu quase a tremer o portão: e mal dera alguns passos estacou, ouvindo ao fundo Niniche ladrar furiosamente. Mas tudo emudeceu; e da janela do canto, sobre o jardim, surgiu uma claridade que o sossegou. Foi encontrar Maria, com um roupão de rendas, junto da porta envidraçada, sufocando quase entre os braços Niniche que ainda rosnava. Estava toda medrosa, numa impaciência de o sentir ao seu lado: e não quis recolher logo: um momento ficaram ali, sentados nos degraus, com Niniche que aquietara e lambia Carlos. Tudo em redor era como uma infinita mancha de tinta; só lá em baixo, perdida e mortiça, surdia da treva alguma luzinha vacilando no alto de um mastro. Maria, conchegada a Carlos, refugiada nele, deu um longo suspiro: e os seus olhos mergulhavam inquietos naquela mudez negra, onde os arbustos familiares do jardim, toda a quinta, parecia perder a realidade, sumida, diluída na sombra.

- Porque não havemos de partir já para a Itália? perguntou ela de repente, procurando a mão de Carlos. Se tem de ser, porque não há de ser já?... Escusávamos de ter estes segredos, estes sustos!

- Sustos de que, meu amor? Estamos aqui tão seguros como na Itália, como na China... De resto podemos partir mais depressa, se quiseres... diz tu um dia, marca um dia!

Ela não respondeu, deixando cair docemente a cabeça sobre o ombro de Carlos. Ele acrescentou, devagar:

- Em todo o caso, compreendes bem, preciso primeiro ir a Santa Olávia, ver o avô...

Os olhos de Maria perdiam-se outra vez na escuridão como recebendo dela o presságio de um futuro, onde tudo seria confuso e escuro também.

- Tu tens Santa Olávia, tens teu avô, tens os teus amigos... Eu não tenho ninguém!

Carlos estreitou-a a si, enternecido.

- Não tens ninguém! Isso dito a mim! Nem chega a ser injustiça, nem chega a ser ingratidão! É nervoso; e é também o que os ingleses chamam a «impudente adulteração de um facto.»

Ela ficara aninhada no peito de Carlos, como desfalecida.

- Não sei porque, queria morrer...





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