Os Maias - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 400 / 630

Um largo brilho de relâmpago alumiou o rio. Maria teve medo, entraram na alcova. Os molhos de velas de duas serpentinas, batendo os damascos e os cetins amarelos, embebiam o ar tépido, onde errava um perfume, numa refulgência ardente de sacrário: e as bretanhas, as rendas do leito já aberto punham uma casta alvura de neve fresca nesse luxo amoroso e cor de chama. Fora, para os lados do mar, um trovão rolou lento e surdo. Mas Maria já o não ouviu, caída nos braços de Carlos. Nunca o desejara, nunca o adorara tanto! Os seus beijos ansiosos pareciam tender mais longe que a carne, trespassá-lo, querer sorver-lhe a vontade e a alma: - e toda a noite, entre esses brocados radiantes, com os cabelos soltos, divina na sua nudez, ela lhe apareceu realmente como a Deusa que ele sempre imaginara, que o arrebatava enfim, apertado ao seu seio imortal, e com ele pairava numa celebração de amor, muito alto, sobre nuvens de ouro...

Quando saiu, ao amanhecer, chovia. Foi encontrar o Mulato a dormir numa taberna, bêbedo. Teve de o meter dentro do carro; e foi ele que governou até ao Ramalhete, embrulhado numa manta do taberneiro, encharcado, cantarolando, esplendidamente feliz.

Passados dias, passeando com Maria nos arredores da Toca, Carlos reparou numa casita, à beira da estrada, com escritos: e veio-lhe logo a ideia de a alugar, para evitar aquela desagradável partida de madrugada com o Mulato estremunhado, borracho, despedaçando o trem pelas calçadas. Visitaram-na: havia um quarto largo, que com tapete e cortinas podia dar um refúgio confortável. Tomou-a logo - e Baptista veio ao outro dia, com moveis numa carroça, arranjar este novo ninho. Maria disse, quase triste:

- Mais outra casa!

- Esta, exclamou Carlos rindo, é a última! Não, é a penúltima... Temos ainda a outra, a nossa, a verdadeira, lá longe, não sei onde...

Começaram a encontrar-se todas as noites. Às nove e meia, pontualmente, Carlos deixava a Toca, com o seu charuto aceso: e Domingos, adiante, de lanterna, vinha fechar o portão, tirar a chave.





Os capítulos deste livro