Os Maias - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 401 / 630

Ele recolhia devagar à sua «choupana» onde o servia um criadito, filho do jardineiro do Ramalhete. Sobre um tapete solto, deitado no velho soalho, havia apenas, além do leito, uma mesa, um sofá de riscadinho, duas cadeiras de palha; e Carlos entretinha as horas que o separavam ainda de Maria, escrevendo para Santa Olávia e sobretudo ao Ega, que se eternizava em Sintra.

Recebera duas cartas dele, falando quase somente do Dâmaso. O Dâmaso aparecia em toda a parte com a Cohen; o Dâmaso tornara-se grutesco em Sintra, numa corrida de burros; o Dâmaso arvorara capacete e véu em Sitiais; o Dâmaso era uma besta iramundo; o Datmaso, no pátio do Victor, de perna traçada, dizia familiarmente «a Rachel»; era um dever de moralidade pública dar bengaladas no Dâmaso!... Carlos encolhia os ombros, achando estes ciúmes indignos do coração do Ega. E então por quem! Por aquela lambisgoia de Israel, melada e molenga, sovada a bengala! «Se com efeito, escrevera ele ao Ega, ela desceu de ti até ao Dâmaso, tens só a fazer como se fosse um charuto que te caísse à lama: não o podes naturalmente levantar: deves deixar fumá-lo em paz ao garoto que o apanhou: enfurecer-te com o garoto ou com o charuto, é de imbecil.» Mas ordinariamente, quando respondia, falava só ao Ega dos Olivais, dos seus passeios com Maria, das conversas dela, do encanto dela, da superioridade dela... Ao avô não achava que dizer; nas dez linhas que lhe destinava, descrevia o calor, recomendava-lhe que não se fatigasse, mandava saudades para os hóspedes, e dava-lhe recados do Manoelzinho- que ele nunca via.

Quando não tinha que escrever, estirava-se no sofá, com um livro aberto, os olhos no ponteiro do relógio. À meia-noite saía, encafuado num gabão de Aveiro, e de varapau. Os seus passos ressoavam, solitários na mudez dos campos, com uma indefinida melancolia de segredo e de culpa...

Numa dessas noites, de grande calor, Carlos cansado adormeceu no sofá: e só despertou, em sobressalto, quando o relógio na parede dava tristemente duas horas. Que desespero! Aí ficava perdida a sua noite de amor! E Maria decerto à espera, angustiada, imaginando desastres!... Agarrou o cajado, abalou, correndo pela estrada.





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