Recebera duas cartas dele, falando quase somente do Dâmaso. O Dâmaso aparecia em toda a parte com a Cohen; o Dâmaso tornara-se grutesco em Sintra, numa corrida de burros; o Dâmaso arvorara capacete e véu em Sitiais; o Dâmaso era uma besta iramundo; o Datmaso, no pátio do Victor, de perna traçada, dizia familiarmente «a Rachel»; era um dever de moralidade pública dar bengaladas no Dâmaso!... Carlos encolhia os ombros, achando estes ciúmes indignos do coração do Ega. E então por quem! Por aquela lambisgoia de Israel, melada e molenga, sovada a bengala! «Se com efeito, escrevera ele ao Ega, ela desceu de ti até ao Dâmaso, tens só a fazer como se fosse um charuto que te caísse à lama: não o podes naturalmente levantar: deves deixar fumá-lo em paz ao garoto que o apanhou: enfurecer-te com o garoto ou com o charuto, é de imbecil.» Mas ordinariamente, quando respondia, falava só ao Ega dos Olivais, dos seus passeios com Maria, das conversas dela, do encanto dela, da superioridade dela... Ao avô não achava que dizer; nas dez linhas que lhe destinava, descrevia o calor, recomendava-lhe que não se fatigasse, mandava saudades para os hóspedes, e dava-lhe recados do Manoelzinho- que ele nunca via.
Quando não tinha que escrever, estirava-se no sofá, com um livro aberto, os olhos no ponteiro do relógio. À meia-noite saía, encafuado num gabão de Aveiro, e de varapau. Os seus passos ressoavam, solitários na mudez dos campos, com uma indefinida melancolia de segredo e de culpa...
Numa dessas noites, de grande calor, Carlos cansado adormeceu no sofá: e só despertou, em sobressalto, quando o relógio na parede dava tristemente duas horas. Que desespero! Aí ficava perdida a sua noite de amor! E Maria decerto à espera, angustiada, imaginando desastres!... Agarrou o cajado, abalou, correndo pela estrada.