Carlos, com efeito, logo nessa noite falou a Maria da visita que devia ao avô. Ela, muito séria, aconselhou-lha também, arrependida de o ter retido assim, egoisticamente e tanto tempo, longe dos outros que o amavam.
- Mas ouve, querido, não é por muito tempo, não?
- Por dois ou três dias, quando muito. E naturalmente, trago até o avô. Não está lá a fazer nada, e eu não estou para a maçada de voltar lá...
Maria então lançou-lhe os braços ao pescoço, e baixo, timidamente, confessou-lhe um grande desejo que tinha... Era ver o Ramalhete! Queria visitar os quartos dele, o jardim, todos esses recantos, onde tantas vezes ele pensara nela, e se desesperara, sentindo-a distante e inacessível...
- Dize, queres? Mas é necessário que seja antes de vir teu avô. Queres?
- Acho um encanto! Há só um perigo. É eu não te deixar sair mais e ficar a devorar-te na minha caverna.
- Prouvera a Deus!
Combinaram então que ela fosse jantar ao Ramalhete, no dia da partida de Carlos para Santa Olávia. à noitinha levava-o no coupé a Santa Apolónia; depois seguia para os Olivais.
Foi no sábado. Carlos veio muito cedo para o Ramalhete: e o seu coração batia com a deliciosa perturbação de um primeiro encontro, quando sentiu parar a carruagem de Maria e os seus vestidos escuros roçarem o veludo cor de cereja que forrava a escada discreta dos seus quartos. O beijo que trocaram, na antecâmara, teve a profunda doçura de um primeiro beijo!
Ela foi logo ao toucador tirar o chapéu, dar um jeito ao cabelo. Ele não cessava de a beijar; abraçava-a pela cinta; e com os rostos juntos sorriam para o espelho, enlevados no brilho da sua mocidade. Depois, impaciente, curiosa, ela percorreu os quartos, miudamente, até à alcova de banho; leu os títulos dos livros, respirou o perfume dos frascos, abriu os cortinados de seda do leito... Sobre uma comoda Luiz XV havia uma salva de prata, transbordando de retratos que Carlos se esquecera de esconder, a coronela d'hussards d'amazona, madame Rughel decotada, outras ainda. Ela mergulhou as mãos, com um sorriso triste, na profusão daquelas recordações...