Os Maias - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 483 / 630

Mas o Cruges apareceu enfim de chapéu alto, entalado numa sobrecasaca solene, com botins novos de verniz. Apilharam-se logo na tipoia estreita e dura. Carlos ia levá-los a casa do Dâmaso. E como queria ainda jantar nos Olivais, esperaria por eles, para saber o resultado «do chinfrim», no jardim da Estrela, junto ao coreto.

- Sede rápidos e medonhos!

A casa do Dâmaso, velha e de um andar só tinha um enorme portão verde, com um arame pendente que fez ressoar dentro uma sineta triste de convento e os dois amigos esperaram muito antes que aparecesse, arrastando as chinelas, o galego achavascado que o Dâmaso (agora livre de Carlos e das suas pompas) já não trazia torturado em botins cruéis de verniz. A um canto do pátio uma portinha abria sobre a luz de um quintal, que parecia ser um deposito de caixotes, de garrafas vazias e de lixo.

O galego, que reconhecera o Sr. Ega, conduziu-os logo, por uma escadinha esteirada, a um corredor largo, escuro, com cheiro a mofo. Depois, batendo o chinelo, correu ao fundo, onde alvejava a claridade de uma porta entreaberta. Quase imediatamente Dâmaso gritou de lá:

- Ó Ega, é você? Entre para aqui, homem! Que diabo!... Eu estou-me a vestir...

Embaraçado com estes brados de intimidade e tanta efusão, Ega ergueu a voz da sombra do corredor, gravemente:

- Não tem dúvida, nós esperamos...

O Dâmaso insistia, à porta, em mangas de camisa, cruzando os suspensórios:

- Venha você, homem! Que diabo, eu não tenho vergonha, já estou de calças!

- Há aqui uma pessoa de cerimónia, gritou o Ega para findar.

A porta ao fundo cerrou-se, o galego veio abrir a sala. O tapete era exactamente igual aos dos quartos de Carlos no Ramalhete. E em redor abundavam os vestígios da antiga amizade com o Maia: o retrato de Carlos a cavalo, num vistoso caixilho de flores em faiança: uma das colchas da Índia das senhoras Medeiros, branca e verde, enroupando o piano, arranjada por Carlos com alfinetes: e sobre um contador espanhol, debaixo de redoma, um sapatinho de cetim de mulher, novo, que o Dâmaso comprara no Serra, por ter ouvido um dia a Carlos que «em todo o quarto de rapaz deve aparecer, discretamente disposta, alguma relíquia de amor...»





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