Os Maias - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 484 / 630

Sob estes retoques de chic, dados à pressa sob a influência do Maia, empertigava-se a sólida mobília do pai Salcede, de mogno e veludo azul; a console de mármore, com um relógio de bronze dourado, onde Diana acariciava um galgo; o grande e dispendioso espelho, tendo entalado no caixilho uma fila de bilhetes de visita, de retratos de cantoras, de convites para soirées. E Cruges ia examinar estes documentos, quando os passos alegres do Dâmaso soaram no corredor. O maestro correu logo a perfilar-se ao lado do Ega, diante do canapé de veludo, teso, cómodo, com o seu chapéu alto na mão.

Ao vê-lo, o bom Dâmaso, que se abotoara todo numa sobrecasaca azul, florida por um botão de camélia, atirou risonhamente os braços ao ar:

- Então esta é que é a pessoa de cerimónia? Sempre vocês têm coisas! E eu a pôr sobrecasaca... Por pouco que não lhe afinfo com o hábito de Cristo!...

Ega atalhou, muito sério:

- O Cruges não é de cerimónia, mas o motivo que aqui nos traz é delicado e grave, Dâmaso.

Dâmaso arregalou os olhos, reparando enfim naquele estranho modo dos seus amigos, ambos de negro, secos, tão solenes. E recuou, todo o sorriso se lhe apagou na face.

- Que diabo é isso? Sentem-se, sentem-se vocês...

A voz apagava-se-lhe também. Pousado à borda de uma poltrona baixa, junto de uma mesa coberta de encadernações ricas, com as mãos nos joelhos, ficou esperando, numa ansiedade.

- Nós vimos aqui, começou Ega, em nome do nosso amigo Carlos da Maia...

Uma brusca onda de sangue cobriu a face rechonchuda do Dâmaso até à risca do cabelo encaracolado a ferro. E não achou uma palavra, atónito, sufocado, esfregando estupidamente os joelhos.

Ega prosseguiu, lento, direito no canapé:

- O nosso amigo Carlos da Maia queixa-se de que o Dâmaso publicou, ou fez publicar, um artigo extremamente injurioso para ele e para uma senhora das relações dele na Corneta do Diabo...





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