Os Maias - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 491 / 630

- Pois não te parece, Cruges?

- Sim, talvez, que estava bêbedo, murmurou o maestro timidamente.

- Pois não lhe parece a você, francamente, Dâmaso?

- Sim, que estava bêbedo, balbuciou o desgraçado.

Imediatamente Ega retomou a leitura: «Agora que voltei a mim reconheço, como sempre reconheci e proclamei, que é V. Ex.ª um carácter absolutamente nobre; e as outras pessoas, que nesse momento de embriaguez ousei salpicar de lama, são-me só merecedoras de veneração e louvor. Mais declaro que se por acaso tornasse a suceder soltar eu alguma palavra ofensiva para V. Ex.ª não lhe devia dar V. Ex.ª, ou aqueles que a escutassem, mais importância do que a que se dá a uma involuntária baforada de álcool - pois que, por um hábito hereditário que reaparece frequentemente na minha família, me acho repetidas vezes em estado de embriaguez... De V. Ex.ª, com toda a estima etc....» Rodou sobre os tacões, pousou o rascunho na mesa - e acendendo o charuto ao lume do Dâmaso, explicou com amizade, com bonomia, o que o determinara àquela confissão de bebedeira incorrigível e palreira. fora ainda o desejo de garantir a tranquilidade do «nosso Dâmaso». Atribuindo todas as imprudências em que pudesse cair a um hábito de intemperança hereditária, de que tinha tão pouca culpa como de ser baixo e gordo, o Dâmaso punha-se para sempre ao abrigo das provocações de Carlos...

- Você, Dâmaso, tem génio, tem língua... Um dia esquece-se, e no Grémio, sem querer, na cavaqueira depois do teatro, lá lhe escapa uma palavra contra Carlos... Sem esta precaução, aí recomeça a questão, o escarro, o duelo... Assim já Carlos não se pode queixar. Lá tem a explicação que tudo cobre, uma gota de mais, a gota tomada por impulso de borrachice hereditária... Você alcança deste modo a coisa que mais se apetece neste nosso século XIX - a irresponsabilidade!... E depois para a sua família não é vergonha, porque você não tem família. Em resumo, convém-lhe?

O pobre Dâmaso escutava-o, esmagado, enervado, sem compreender aquelas roncantes frases sobre «a hereditariedade», sobre «o século XIX». E um único sentimento vivo o dominava, acabar, reentrar na sua paz pachorrenta, livre de floretes e de escarros.





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