Ela riu. E D. Maria da Cunha, nessa noite mais remoçada e viva, ficou logo toda banhada num sorriso, com aquela carinhosa admiração pelo Ega, que era um dos seus sentimentos.
- Este Ega!... Não há mal que lhe chegue!... E diga-me outra coisa, que é feito do seu amigo Maia?
Ega vira-a momentos antes, no salão, puxar pela manga de Carlos, cochichar com Carlos. Mas conservou um ar inocente:
-Está aí, anda por aí, assistindo a toda essa literatura.
De repente os olhos sempre bonitos e lânguidos de D. Maria da Cunha rebrilharam com uma faísca de malícia:
- Falai no mau... Neste caso seria falar do bom. Enfim aí nos vem o Príncipe Tenebroso!
E era com efeito Carlos que passava, se encontrara diante dos braços do conde de Gouvarinho, estendidos para ele com uma efusão em que parecia renascer o antigo afecto. Pela primeira vez Carlos via a condessa, desde a noite em que no Aterro, abandonando-a para sempre, fechara com ódio a portinhola da tipoia onde ela ficava chorando. Ambos baixaram os olhos, ao adiantar a mão um para o outro, lentamente. E foi ela que findou o embaraço, abrindo o seu grande leque de penas de avestruz:
- Que calor, não é verdade?
- Atroz! disse Carlos. Não vá V. Ex.ª apanhar ar dessa janela.
Ela forçou os lábios brancos a um sorriso:
- É conselho de médico?
- Oh, minha senhora, não são as horas da minha consulta! É apenas caridade de cristão.
Mas de repente a condessa chamou o Taveira, que ria, derretido, com a marquesa de Soutal, para o repreender por ele não ter aparecido terça-feira na rua de S. Marçal. Surpreendido com tanto interesse, tanta familiaridade, o Taveira, muito vermelho, balbuciou que nem sabia, fora o seu infortúnio, tinham-se metido umas coisas...
- Além disso não imaginei que V. Ex.ª começasse a receber tão cedo... V. Ex.ª antigamente era só depois da Cerração da Velha.
Até me lembro que o ano passado...
Mas emudeceu. O conde de Gouvarinho voltara-se, pousando a mão carinhosa no ombro de Carlos, desejando a sua impressão sobre o «nosso Rufino».