Os Maias - Cap. 17: Capítulo 17 Pág. 571 / 630

O Alencar ia muito a Arroios com o pobre D. João da Cunha, que Deus haja, e com os outros. Era tudo uma fina flor, e regulavam pela mesma idade... Já nada resta, já nada resta!

- Carlos baixara os olhos: todos por acaso emudeceram: um ar de tristeza passou entre as flores e as luzes como vinda do fundo desse passado, cheio de sepulturas e dores.

- E o pobre Cruges, coitado, que fiasco! exclamou Ega, para sacudir aquela nevoa.

Craft achava o fiasco justo. Para que fora ele dar Beethoven a uma gente educada pela chulice de Ofenbach? Mas Ega não admitia esse desdém por Ofenbach, uma das mais finas manifestações modernas do cepticismo e da ironia! Steinbroken acusou Ofenbach de não saber contraponto. Durante um momento discutiu-se música. Ega acabou por sustentar que nada havia em arte tão belo como o fado. E apelou para Afonso, para o despertar.

- Pois não é verdade, Sr. Afonso da Maia? V. Ex.ª também é como eu, um dos fieis ao fado, à nossa grande criação nacional.

- Sim, com efeito, murmurou o velho, levando a mão à testa, como a justificar o seu modo desinteressado e murcho. há muita poesia no fado...

- Craft porém atacava o fado, as malaguenhas, as peteneras - toda essa música meridional, que lhe parecia apenas um garganteado gemebundo, prolongado infinitamente, em ais de esterilidade e de preguiça. Ele, por exemplo, ouvira uma noite uma malaguenha, uma dessas famosas malaguenhas, cantada em perfeito estilo por uma senhora de Málaga. Era em Madrid, em casa dos Vila-Rubia. A senhora põe-se ao piano, rosna uma coisa sobre pedra e sepultura, e rompe a gemer num gemido que não findava - ã-ã-ã-ã-ã-ah... Pois senhores, ele aborrece-se, passa para a outra sala, vê jogar todo um robber de whist, folheia um imenso álbum, discute a guerra carlista com o general Jovelos, e quando volta, lá estava ainda a senhora, de cravos na trança e olhos no tecto, a gemer o mesmo - ã-ã-ã-ã-ã-ah!...

Todos riram. Ega protestou com ímpeto, já excitado. O Craft era um seco inglês, educado sobre o chato seio da Economia política, incapaz de compreender todo o mundo de poesia que podia conter um ai!





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