Todos sumidos! Pela primeira vez no Ramalhete Ega almoçou solitariamente na larga mesa, lendo a Gazeta Ilustrada.
De tarde, às seis, no quarto do marquês (que tinha o pescoço enrolado numa boa de senhora de pele de marta), encontrou Carlos, o Darque, o Craft, em torno de um rapaz gordo que tocava guitarra - enquanto ao lado o procurador do marquês, um belo homem de barba preta, se batia com o Teles numa partida de damas.
- Viste o avô? perguntou Carlos, quando o Ega lhe estendeu a mão.
- Não, almocei só.
O jantar, daí a pouco, foi muito divertido, largamente regado com os soberbos vinhos da casa. E ninguém decerto bebeu mais, ninguém riu mais do que Carlos, ressurgido quase de repente de uma desanimação sombria a uma alegria nervosa - que incomodava o Ega, sentindo nela um timbre falso e como um som de cristal rachado. O próprio Ega por fim à sobremesa se excitou consideravelmente com um esplêndido Porto de 1815. Depois houve um bacarat em que Carlos, outra vez sombrio, deitando a cada instante os olhos ao relógio, teve uma sorte triunfante, uma «sorte de cabrão», como a classificou o Darque, indignado, ao trocar a sua ultima nota de vinte mil reis... à meia-noite porém, inexoravelmente, o procurador do marquês lembrou as ordens do médico que marcara esse limite «ao natalício». Foi então um enfiar de paletós, em debandada, por entre os queixumes do Darque e do Craft, que saíam escorridos, sem sequer um troco para o «americano». Fez-se-lhes uma subscrição de caridade, que eles recolheram nos chapéus, rosnando bênçãos aos benfeitores.
Na tipoia que os levava ao Ramalhete, Carlos e Ega permaneceram muito tempo em silêncio, cada um enterrado ao seu canto, fumando. Foi já ao meio do Aterro que Ega pareceu despertar:
- E então por fim?... Sempre vais para Santa Olávia, ou que fazes?
Carlos mexeu-se no escuro da tipoia. Depois, lentamente, como cheio de cansaço:
- Talvez vá amanhã... Ainda não disse nada, ainda não fiz nada... Decidi dar-me quarenta e oito horas para acalmar, para reflectir...