Os Maias - Cap. 17: Capítulo 17 Pág. 594 / 630

Tomando um pouco de Bordéus, uma sandwich, Sequeira reanimava-se, lembrava o passado, os tempos brilhantes, quando Afonso e ele eram novos. Mas emudeceu vendo aparecer Carlos, pálido e vagaroso como um sonâmbulo, que balbuciou: «Tomem alguma coisa, sim, tomem alguma coisa...»

Mexeu num prato, deu uma volta à mesa, saiu. Assim vagamente foi até à antecâmara, onde todos os candelabros ardiam. Uma figura esguia e negra surgiu da escada. Dois braços enlaçaram-no. Era o Alencar.

- Nunca vim cá nos dias felizes, aqui estou na hora triste!

E o poeta seguiu pelo corredor, em pontas de pés, como pela nave de um templo.

Carlos no entanto deu ainda alguns passos pela antecâmara. Ao canto de um divã ficara um grande cesto com uma coroa de flores, sobre que pousava uma carta. Reconheceu a letra de Maria. Não lhe tocou, recolheu ao escritório. Alencar, diante do caixão, com a mão pousada no ombro do Ega, murmurava: «Foi-se uma alma de herói!»

As velas iam-se consumindo. Um cansaço pesava. Baptista fez servir café no bilhar. E aí, apenas recebeu a sua chávena, Alencar, cercado do Cruges, do Taveira, do Vilaça, rompeu a falar também do passado, dos tempos brilhantes de Arroios, dos rapazes ardentes de então:

- Vejam vocês, filhos, se se encontra ainda uma gente como estes Maias, almas de leões, generosos, valentes!... Tudo parece ir morrendo neste desgraçado país!... Foi-se a faísca, foi-se a paixão... Afonso da Maia! Parece que o estou a ver, à janela do palácio em Benfica, com a sua grande gravata de cetim, aquela cara nobre de português doutrora... E lá vai! E o meu pobre Pedro também... Caramba, até se me faz a alma negra!

Os olhos enevoavam-se-lhe, deu um imenso sorvo ao cognac.

Ega, depois de beber um gole de café, voltara ao escritório, onde o cheiro de incenso espalhava uma melancolia de capela. D. Diogo, estirado no sofá, ressonava; Sequeira defronte dormitava também, descaído sobre os braços cruzados, com todo o sangue na face. Ega despertou-os de leve.





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