E Carlos, ao lado, prosseguiu devagar, olhando o lume:
- Além disso, desejo que ela parta, que parta já para Paris... Seria absurdo ficar em Lisboa... Enquanto se não liquidar o que lhe pertence, há-de se lhe estabelecer uma mesada, uma larga mesada... Vilaça vem daqui a bocado para falar desses detalhes... Em todo o caso, amanhã, para ela partir, levas-lhe quinhentas libras.
Ega murmurou:
- Talvez para essas questões de dinheiro fosse melhor ir lá o Vilaça...
- Não, pelo amor de Deus! Para que se há de fazer corar a pobre criatura diante do Vilaça?...
Houve um silêncio. Ambos olhavam a chama clara que bailava.
- Custa-te muito, não é verdade, meu pobre Ega?...
- Não... Começo a estar embotado. É fechar os olhos, tragar mais essa má hora, e depois descansar. Quando voltas tu de Santa Olávia?
Carlos não sabia. Contava que Ega, terminada essa missão à rua de S. Francisco, fosse aborrecer-se uns dias com ele a Santa Olávia. Mais tarde era necessário trasladar para lá o corpo do avô...
- E passado isso, vou viajar... Vou à América, vou ao Japão, vou fazer esta coisa estúpida e sempre eficaz que se chama distrair...
Encolheu os ombros, foi devagar até à janela, onde morria palidamente um raio de sol na tarde que clareara. Depois voltando para o Ega, que de novo remexia os carvões:
Eu, está claro, não me atrevo a dizer-te que venhas, Ega... Desejava bem, mas não me atrevo!
Ega pousou devagar as tenazes, ergueu-se, abriu os braços para Carlos, comovido:
- Atreve, que diabo... Porque não?
- Então vem!
Carlos pusera nisto toda a sua alma. E ao abraçar o Ega corriam-lhe na face duas grandes lágrimas.
Então Ega reflectiu. Antes de ir a Santa Olávia precisava fazer uma romagem à quinta de Celorico. O Oriente era caro. Urgia pois arrancar à mãe algumas letras de credito... E como Carlos pretendia ter «bastante para o luxo de ambos», Ega atalhou muito sério:
- Não, não! Minha mãe também é rica. Uma viagem à América e ao Japão são formas de educação. E a mamã tem o dever de completar a minha educação.