O Hotel Aliance conservava o mesmo ar mudo e deserto. Um lindo sol dourava o lajedo; batedores de chapéu à faia fustigavam as pilecas; três varinas, de canastra à cabeça, meneavam os quadris, fortes e ágeis na plena luz. A uma esquina, vadios em farrapos fumavam; e na esquina defronte, na Havaneza, fumavam também outros vadios, de sobrecasaca, politicando.
- Isto é horrível quando se vem de fora! exclamou Carlos. Não é a cidade, é a gente. Uma gente feiíssima, encardida, molenga, reles, amarelada, acabrunhada!...
- Todavia Lisboa faz diferença, afirmou Ega, muito sério. Oh, faz muita diferença! hás de ver a Avenida... Antes do Ramalhete vamos dar uma volta à Avenida.
Foram descendo o Chiado. Do outro lado os toldos das lojas estendiam no chão uma sombra forte e dentada. E Carlos reconhecia, encostados às mesmas portas, sujeitos que lá deixara havia dez anos, já assim encostados, já assim melancólicos. Tinham rugas, tinham brancas. Mas lá estacionavam ainda, apagados e murchos, rente das mesmas umbreiras, com colarinhos à moda. Depois, diante da livraria Bertrand, Ega, rindo, tocou no braço de Carlos:
- Olha quem ali está, à porta do Baltresqui!
Era o Dâmaso. O Dâmaso, barrigudo, nédio, mais pesado, de flor ao peito, mamando um grande charuto, e pasmaceando, com o ar regaladamente embrutecido de um ruminante farto e feliz. Ao avistar também os seus dois velhos amigos que desciam, teve um movimento para se esquivar, refugiar-se na confeitaria. Mas, insensivelmente, irresistivelmente, achou-se em frente de Carlos, com a mão aberta e um sorriso na bochecha, que se lhe esbraseara.
- Olá, por cá!... Que grande surpresa!
Carlos abandonou-lhe dois dedos, sorrindo também,
indiferente e esquecido.
- É verdade, Dâmaso... Como vai isso?
- Por aqui, nesta sensaboria... E então com demora?
- Umas semanas.
- Estás no Ramalhete?
- No Braganza. Mas não te incomodes, eu ando sempre por fora.
- Pois sim senhor!... Eu também estive em Paris, há três meses, no Continental...