Que fazem então? Na sua sofreguidão de progresso e de brancura acavalam no nariz três ou quatro lunetas, claras, defumadas, até de cor. E assim andam pela cidade, de tanga, de nariz no ar, aos tropeções, no desesperado e angustioso esforço de equilibrarem todos estes vidros - para serem imensamente civilizados e imensamente brancos...
Carlos ria:
- De modo que isto está cada vez pior...
- Medonho! É de um reles, de um postiço! Sobretudo postiço! Já não há nada genuíno neste miserável país, nem mesmo o pão que comemos!
Carlos, recostado no banco, apontou com a bengala, num gesto lento:
- Resta aquilo, que é genuíno...
E mostrava os altos da cidade, os velhos outeiros da Graça e da Penha, com o seu casario escorregando pelas encostas ressequidas e tisnadas do sol. No cimo assentavam pesadamente os conventos, as igrejas, as atarracadas vivendas eclesiásticas, lembrando o frade pingue e pachorrento, beatas de mantilha, tardes de procissão, irmandades de opa atulhando os adros, erva-doce juncando as ruas, tremoço e fava-rica apregoada às esquinas, e foguetes no ar em louvor de Jesus. Mais alto ainda, recortando no radiante azul a miséria da sua muralha, era o castelo, sórdido e tarimbeiro, de onde outrora, ao som do hino tocado em fagotes, descia a tropa de calça branca a fazer a bernarda! E abrigados por ele, no escuro bairro de S. Vicente e da Sé, os palacetes decrépitos, com vistas saudosas para a barra, enormes brasões nas paredes rachadas, onde entre a maledicência, a devoção e a bisca, arrasta os seus derradeiros dias, cachética e caturra, a velha Lisboa fidalga!
Ega olhou um momento, pensativo:
- Sim, com efeito, é talvez mais genuíno. Mas tão estúpido, tão sebento! Não sabe a gente para onde se há de voltar... E se nos voltamos para nós mesmos, ainda pior!
E de repente bateu no joelho de Carlos, com um brilho na face:
- Espera... Olha quem aí vem!
Era uma vitoria, bem-posta e correcta, avançando com lentidão e estilo, ao trote estepado de duas éguas inglesas.