Os Maias - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 81 / 630

Mas o pequerrucho era adorável, muito gordo, parecendo mais roliço por aquele dia de janeiro sob os agasalhos de lã azul, tremelicando nas pobres perninhas roxas de frio, e rindo na clara luz - rindo todo ele, pelos olhos, pelas covinhas do queixo, pelas duas rosas das faces. O pai amparava-o; e o encanto, o cuidado com que o rapaz ia assim guiando os passos do seu filho, impressionou Carlos. Era no momento em que ele lia Michelet - e enchia-lhe a alma a veneração literária da santidade domestica. Sentiu-se canalha em andar ali de cima do seu dog-cart, a preparar friamente a vergonha, e as lágrimas daquele pobre pai tão inofensivo no seu paletó coçado! Nunca mais respondeu às cartas em que Hermengarda lhe chamava seu ideal. Decerto a rapariga se vingou, intrigando-o; porque o empregado do governo civil, daí

por diante, dardejava sobre ele olhares sangrentos.

Mas a grande «topada sentimental de Carlos», como disse o Ega, foi quando ele, ao fim de umas férias, trouxe de Lisboa uma soberba rapariga espanhola, e a instalou numa casa ao pé de Celas. Chamava-se Encarnacion. Carlos alugou-lhe ao mês uma vitória com um cavalo branco e Encarnacion fanatizou Coimbra como a aparição de uma Dama das Camélias, uma flor de luxo das civilizações superiores. Pela Calçada, pela estrada da Beira, os rapazes paravam, pálidos de emoção, quando ela passava, reclinada na vitória, mostrando o sapato de cetim, um pouco da meia de seda, lânguida e desdenhosa, com um cãozinho branco no regaço.

Os poetas da Academia fizeram-lhe versos em que Encarnacion foi chamada Lírio de Israel, Pomba da Arca, e Nuvem da Manhã. Um estudante de teologia, rude e sebento transmontano, quis casar com ela. Apesar das instâncias de Carlos, Encarnacion recusou; e o teólogo começou a rondar Celas, com um navalhão, para «beber o sangue» ao Maia. Carlos teve de lhe dar bengaladas.





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