O Processo - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 107 / 183

K. procurou desculpar-se pelo seu comportamento durante a manhã, mas o industrial não quis sequer ouvi-lo, apertou bem a pasta debaixo do braço para mostrar que estava com pressa de se ir embora e continuou: «Ouvi falar do seu processo a um homem chamado Titorelli. É pintor. Titorelli é apenas o seu nome profissional e não faço a mínima ideia de qual seja o seu verdadeiro nome. Há anos que ele vai de vez em quando ao meu escritório, levando-me alguns pequenas quadros pelos quais lhe dou uma espécie de esmola... ele é quase um mendigo. Não são maus os seus quadros, pinta charnecas e outros motivos deste género. Estes negócios... já nos unhamos habituados a eles... seguiam o seu curso normalmente, mas houve uma altura em que ele começou a aparecer com demasiada frequência para o meu gosto e eu disse-lho, tendo nós ficado a conversar, pois eu sentia curiosidade em saber como é que ele se conseguia manter apenas com as suas pinturas. Para meu grande espanto, descobri que ele ganhava realmente a vida como pintor de retratos. Trabalhava para o tribunal, disse ele. 'Para que tribunal?', perguntei eu. E foi então que ele me disse coisas deste tribunal. Com a sua experiência, o senhor pode bem avaliar como fiquei surpreendido com as histórias que ele me contou. Desde então, traz-me sempre as últimas novidades do tribunal e, desta forma, tenho a pouco e pouco adquirido um conhecimento profundo do seu funcionamento. E claro que Titorelli dá muito com a língua nos dentes e tenho frequentemente impedido que ele o faça, não só porque pode estar a mentir mas também, e principalmente, porque um homem de negócios como eu já tem muitos problemas que lhe dizem respeito, não podendo preocupar-se muito com os problemas dos outros. Isto vem apenas a propósito. Talvez, pensei eu, Titorelli pudesse ser-lhe útil, conhece muitos dos juízes e, embora ele próprio Não tenha muita influência, poderá dizer-lhe como contactar com pessoas influentes. Ainda que não o possa considerar um oráculo, parece-me que as informações dele, uma vez em vosso poder, poderão tornar-se valiosas. É que o senhor é tão bom como um advogado. Digo muitas vezes: o senhor gerente é quase um advogado. Não estou de maneira nenhuma preocupado com o seu processo. Bem, importa-se de ir procurar Titorelli? Com uma recomendação minha, decerto fará por si tudo o que lhe for possível; penso, realmente, que o senhor devia ir. Não precisa de ser hoje, claro, qualquer altura serve. Deixe-me acrescentar que o senhor não tem de se sentir obrigado a ir apenas por eu o ter aconselhado, de modo nenhum. Se acha que pode passar sem Titorelli, será melhor não o envolver neste assunto. O senhor até é capaz de já ter arquitectado o seu plano em pormenor e Titorelli só viria estragá-lo. Pois, nesse caso, será melhor não o procurar. Até porque procurar um sujeito daqueles para lhe pedir um conselho não é nada que deixe uma pessoa orgulhosa. De qualquer maneira, faça o que entender. Aqui tem a minha carta de recomendação e aqui está a sua direcção.»





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