O Processo - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 108 / 183

K. pegou na carta, sentindo-se frustrado, e enfiou-a no bolso. Mesmo nas circunstâncias mais favoráveis, as vantagens que adviessem desta recomendação deviam ser superadas pelos perigos que lhe traria o facto de o industrial saber da existência do seu processo e de o pintor espalhar o que sabia a respeito dele. Mal pôde articular algumas palavras de agradecimento ao industrial, que já ia a caminho da porta. atirei procurar o homem», disse ele à porta, quando se despedia com um aperto de mãos, «ou escrevo-lhe para que venha aqui, visto que estou tão ocupado.» «Eu vi logo», disse o industrial, «que o senhor gerente tentaria encontrar a melhor solução, embora, devo dizê-lo, pensasse que preferiria evitar receber aqui no Banco uma pessoa como Titorelli para falar do seu caso com ele. Além disso, não parece aconselhável permitir que cartas suas andem pelas mãos de pessoas daquele género. No entanto, estou convencido de que já pensou em tudo isto e que sabe muito bem o que deve fazer.» K. abanou afirmativamente a cabeça e acompanhou o industrial até um pouco mais adiante através da sala de espera. Apesar de aparentar serenidade, sentia-se horrorizado com a sua falta de senso. Aquela sugestão de escrever a Titorelli tinha sido feita simplesmente para demonstrar ao industrial que ele apreciara as suas recomendações e significava que iria procurar imediatamente o pintor, mas, se agisse por si só e sem conselhos de outrem, ele não teria hesitado em escrever a Titorelli se considerasse importante a sua ajuda. Todavia, foi preciso que o industrial chamasse a atenção dos perigos ocultos por detrás de tal atitude. Teria ele realmente perdido já, até esse ponto, toda a capacidade de julgar? Se era possível que ele pensasse em convidar categoricamente um individuo duvidoso a visitá-lo no Banco, a fim de lhe pedir um conselho acerca do seu processo, apenas com uma porta a separá-lo do subgerente, não seria também possível, e mesmo muitíssimo provável, que ele não reparasse também noutros perigos ou que cegamente corresse na sua direcção? Não podia ter sempre gente ao seu lado a avisá-lo. E era neste momento, justamente quando tencionava concentrar todas as suas energias no processo, que começava a pôr em dúvida a eficácia das suas faculdades! Seria que as dificuldades que se lhe deparavam ao executar o seu serviço no Banco começavam agora a afectar também o seu processo? Por mais que pensasse, não conseguia compreender como pudera pensar em escrever a Titorelli a convidá-lo a ir ao Banco falar com ele.





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