O Processo - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 123 / 183

«Tais absolvições.. respondeu o pintor, «dizem que ocorrem. É, no entanto, muito difícil coro seguir prová-lo. As decisões finais do tribunal nunca são registadas e nem mesmo os juízes as podem consultar; consequentemente, os casos jurídicos de outrora são apenas lendários. Estas lendas decerto se referem a casos de absolvição; na realidade, pode acreditar-se na maioria delas, mas estes não podem ser comprovados. De qualquer maneira, não podem ser completamente postos de parte, pois devem conter um fundo de verdade e, além disso, são muito bonitos. Eu próprio já pintei diversos quadros fundamentados em tais lendas.» «Simples lendas não são suficientes para alterar a minha opinião», disse K. «Acha que uma pessoa pode apelar para tais lendas perante um tribunal?» O pintor riu-se. «Não, não pode fazê-lo», respondeu ele. «Então não há necessidade de se falar delas», acrescentou K., desejando por enquanto não contrariar as opiniões do pintor, mesmo aquelas que lhe pareciam pouco prováveis ou que contradiziam outras descrições que ele tinha ouvido. De momento, não tinha tempo para investigar até que ponto o pintor falava verdade e muito menos contradizer o que ele dizia, e o mais que podia fazer era desejar que o homem o ajudasse, de qualquer forma, ainda que essa ajuda parecesse ilógica. Desta forma, disse: «Vamos então deixar de lado a absolvição definitivas o senhor mencionou duas outras modalidades também.» «Absolvição aparente e adiamento. Estas são as únicos possibilidades», afirmou o pintor. «Não quer despir o seu casaco antes de começarmos a falar delas? O senhor parece estar com muito calor.» «Sim», respondeu K., que tinha estado a prestar atenção apenas ao que 0 pintor expunha e, no entanto, agora, que ele lhe lembrava o calor, descobriu que tinha a testa alagada em suor. «Está quase insuportável.» O pintor acenou com a cabeça como se compreendesse muito bem a sensação de desconforto de K. «Não se pode abrir a janela?», perguntou K. «Não», respondeu o pintor. «Não se pode abrir, pois é apenas um vidro encaixado no tecto.» Só agora K. se apercebia de que tinha estado todo aquele tempo a desejar que o pintor ou ele próprio se dirigissem rapidamente à janela e a abrissem de par em par. Não se importava de engolir golfadas de nevoeiro se ao menos pudesse respirar ar fresco. A sensação de estar completamente impossibilitado de receber ar fresco fez com que sentisse vertigens. Colocou a palma da mão sobre o edredão de penas e disse, numa voz fraca: «Isto torna-se desconfortável e doentio.» «Ah, não», ripostou logo o pintor em defesa da sua janela.





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