O Processo - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 124 / 183

«É por estar hermeticamente fechada que conserva o calor muito melhor do que um simples vidro de janela. Quando quero arejar o quarto, o que não é na realidade necessário, visto que o ar penetra através das fendas por todo o lado, posso abrir uma das portas ou mesmo as duas.» Um pouco mais tranquilo com esta explicação, K. passeou os olhos em redor do quarto para descobrir a segunda porta. O pintor, tendo insto o que ele pretendia, disse: «Está atrás de si, tive de a tapar encostando a cama contra ela.» Só então K. viu realmente a pequena porta na parede. «Este lugar é efectivamente pequeno de mais para um atelier", disse o pintor, como a antecipar a critica de K. «Tive de me arranjar o melhor que pude. É claro que é um péssimo lugar para colocar uma cama, mesmo em frente a uma porta. O juiz que ando agora a pintar, por exemplo, entra sempre por essa porta e tive de lhe dar uma chave de modo que ele possa entrar e esperar por mim aqui no atelier se eu ainda aqui não estiver. Bem, normalmente chega de manhã cedo, enquanto eu estou ainda a dormir. É claro que, embora eu esteja pegado no sono, acordo sempre com um sobressalto quando a porta atrás da minha cama de repente se abre. O senhor perderia todo o respeito que tivesse pelos juízes se pudesse ouvir as pragas com que o acolho quando ele trepa pela minha cama de manhã cedo. Eu podia, evidentemente, voltar a tirar-lhe a chave, mas isso só iria dificultar as coisas. É com toda a facilidade que se mete dentro uma destas portas.» Durante toda esta troca de palavras, K ficou a matutar se devia ou não despir o seu casaco, mas, por fim, compenetrou-se de que, se não o fizesse, não conseguiria permanecer por mais tempo no quarto, de modo que o despiu, colocando-o contudo nos joelhos, para não perder tempo quando de novo tivesse de o vestir, logo que a entrevista acabasse. Mal tinha despido o rã saco, quando ouviu uma das raparigas gritar: «Ele despiu agora o casaco.. E podia ouvi-las a amontoarem-se para espreitar através das fendas e presenciarem o espectáculo. As raparigas pensam», disse o pintor, «que vou pintar o seu retrato e que é essa a razão por que está a tirar o casaco.. «Compreendo», disse K., muito pouco divertido, pois não se sentia muito melhor do que antes, embora estivesse agora sentado em mangas de camisa. Quase sombriamente, perguntou: «Quais eram as outras duas possibilidades que o senhor mencionou?» Já se tinha esquecido dos seus no mós. «Absolvição aparente e adiamento indefinido», respondeu o pintor. «Depende de si a escolha. Posso ajudá-lo quer numa quer noutra, se bem que com algum trabalho e, relativamente a elas, a diferença entre as duas é que a absolvição aparente requer uma concentração temporária, enquanto o adiamento exige um esforço menor, mas constante. Vamos, pois, considerar primeiro a absolvição aparente. Se escolher esta, terei de redigir numa folha de papel um requerimento reportando-me à sua inocência O teor deste requerimento foi-me dado por meu pai e é incontestável Em seguida, contactarei com todos os juízes que conheço, mostrando-lhes este requerimento, a começar, por exemplo, pelo juiz cujo retrato estou presentemente a pintar, quando ele cá vier esta noite. Apresentar-lhe o requerimento e explicar-lhe-ei que o senhor está inocente, garantindo eu próprio a sua inocência. E creia que esta garantia não é simplesmente formal, mas verdadeira e vinculatória.»





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