O Processo - Cap. 8: Capítulo 8 Pág. 138 / 183

Quando se tenta fazer qualquer coisa em prol do nosso processo, não se podem desperdiçar energias com outros assuntos.» «Então, tem estado também a trabalhar por sua conta no seu próprio caso", interrompeu K., «que é precisamente sobre o que o queria interrogar.» Não há muito a acrescentar», respondeu o comerciante. «Tentei, a principio, resolver sozinho o meu processo, mas em breve me vi forçado a desistir. É muito esgotante e os resultados são despontadores. Só o facto de me deslocar ao tribunal a fim de acompanhar o andamento das coisas já era de mais para mim. S6 o ter de ali ficar sentado à espeta da minha vez me fazia sentir inerte. Também sabe bem, por experiência própria, como o ar lá dentro se torna irrespirável.» «Como é que sabe que já lá estive?», perguntou K. «Aconteceu estar no corredor exactamente quando o senhor passava.» «Mas que coincidência!», exclamou K., deixando-se arrebatar pelo entusiasmo e esquecendo-se completamente da figura ridícula que, em sua opinião, era a do comerciante. «Então o senhor viu-me! Estava no corredor quando eu passei. Sim, é verdade, passei uma vez no corredor.» «Não é assim uma coincidência tão grande», disse o comerciante, «pois vou lá quase todos os dias.» «Também tenho de passar a lá ir frequentemente de hoje em diante», volveu K., «simplesmente não posso esperar ter agora o bom acolhimento que tive nessa altura. Toda a gente se levantou. Suponho que pensaram que eu era um juiz.» Não, respondeu o comerciante, «foi por causa do oficial de diligências que eles se levantaram. Todos sabíamos que o senhor era um acusado. Novidades dessas correm rapidamente.» «Assim, o senhor também já sabia», comentou K.; «então talvez me tenha julgado arrogante. Ninguém fez comentários a esse respeito?» «Não desfavoravelmente», disse o comerciante. «Mas isto é tudo um disparate.» «Que é que é um disparate?», perguntou K. «Por que razão o senhor insiste em fazer perguntas?», retorquiu o comerciante, irritado. «Aparentemente, o senhor ainda não conhece as pessoas que lá vão e pode tirar conclusões erradas. Deve lembrar-se de que, nestes processos judiciários, estão sempre a surgir assuntos para discussão que saem dos domínios do racional e de que as pessoas se sentem demasiado cansadas e confusas para pensar, pelo que se refugiam nas superstições. Eu próprio sou tão mau como os outros. Uma das superstições diz que é pela cara da pessoa, especialmente pela linha dos lábios, que se vê como vai decorrer o seu processo. Pois bem, as pessoas que lá estavam declararam que, pela expressão dos seus lábios, o senhor seria considerado culpado, e mesmo num futuro próximo.





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