O Processo - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 14 / 183

No entanto, nessa noite, como o dia tinha passado depressa, preenchido com trabalho de ponta, muita gente a desejar-lhe felicidades e a dar-lhe amistosos parabéns pelo seu aniversário, K. decidiu ir direito a casa. Sempre que fazia uma pequena pausa no seu serviço, lembrava-se desta resolução; sem quase saber como, pareceu-lhe que todo o trabalho de casa de Frau Grubach tinha sofrido uma grande alteração por causa dos acontecimentos da manhã e que devia ser ele, exclusivamente, a restabelecer a ordem. Uma vez tudo normalizado, qualquer vestígio desses acontecimentos estaria apagado e as coisas seguiriam o rumo habitual. Dos três funcionários nada havia a temer — tinham sido absorvidos uma vez mais pela grande hierarquia do Banco, não se notando neles nenhuma alteração. K. teve por varias vezes de os chamar ao seu gabinete, quer individual quer colectivamente, sem outro fim que não fosse o de os observar, mas, depois de os despachar. sentiu-se sempre tranquilo.

Ao chegar à casa onde vivia, as nove e meia, encontrou um moço à entrada da porta da rua, em pé, com as pernas abortas e a fumar cachimbo. «Quem é você?», perguntou K. imediatamente, aproximando a sua cara da do moço, em virtude de não se conseguir ver muito bem na escuridão da entrada. «Sou o filho do porteiro da casa, senhor», respondeu o rapaz, tirando o cachimbo da boca e dando um passo para o lado. «O filho do porteiro da casa?», indagou K., batendo impacientemente com a bengala no chão. «O senhor deseja alguma coisa? Quer que chame o meu pai?» «Não, não.» disse K., e a sua voz tinha um tom tranquilizante, como se o moço tivesse cometido um erro e ele lho fosse perdoar. «Está bem», volveu ele, e continuou. No entanto, antes de subir a escada, voltou-se, lançando-lhe outra olhadela.

Tencionava ir direito ao seu quarto, mas, como queria falar com Frau Grubach, em vez de seguir, parou e bateu à sua porta. Ela estava a passajar, sentada a uma mesa sobre a qual havia um monte de meias velhas K., embaraçada, pediu desculpa por bater à porta àquela hora tão tardia, mas Frau Grubach, muito amavelmente, disse-lhe que não era preciso pedir desculpa, que tinha sempre muito prazer em conversar com ele e que ele sabia muito bem que era o seu melhor e mais estimado hóspede. K. olhou em redor do quarto. Tudo tinha voltado ao seu estado normal, os pratos do pequeno-almoço, que naquela manhã estavam na mesinha junto à janela, tinham aparentemente sido retirados. As mãos das mulheres são tão silenciosas e eficientes, pensou ele.





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