O Processo - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 15 / 183

Ele teria deixado cair os pratos imediatamente e de certeza que não os teria retirado silenciosamente K. contemplou Frau Grubach com um certo reconhecimento. «Por que é que a senhora ainda está a trabalhar a esta hora da noite?», perguntou-lhe K. Agora estavam ambos sentados à mesa e de vez em quando K. metia as mãos na pilha de meias. «Há muito que fazer», respondeu ela. «Durante o dia, o meu tempo pertence aos meus hóspedes e, assim, tenho sã as noites para conservar as minhas coisas em ordem.» «Lamento muito, mas sinto-me hoje responsável pelo trabalho extra que teve de executar.» «Por que diz isso?», perguntou Frau Grubach, tornando-se mais atenta e colocando o trabalho no colo. «Por causa dos homens que aqui estiveram esta manhã.» «Ah!. por causa disso?», inquiriu ela, retomando a sua compostura. «Não me deram muito trabalho » K. olhou em silêncio enquanto ela recomeçava as suas passagens. (Parece surpreendida por eu ter mencionado isto, pensou ele, não parece achar bem que o tivesse feito e, no entanto, era uma necessidade da minha parte falar neste assunto. E só com esta velha mulher, e com mais ninguém, eu podia falar dele.) «Com certeza que lhe trouxe mais trabalho», disse ele por fim, «mas isto não voltará a acontecer.» «Não, não voltará a acontecer», repetiu ela com um ar tranquilizante e um sorriso quase pesaroso. «Realmente, acha que sim?», perguntou K. «Sim», disse ela em voz baixa. «E, acima de tudo, não deve atribuir a isso demasiada importância. Acontecem tantas coisas neste mundo! Como o senhor falou com tanta franqueza comigo, Herr K., devo confessar-lhe que estive a escutar durante alguns momentos atrás da porta e que os dois guardas também me contaram algumas coisas. A sua felicidade está em jogo e realmente vivo tudo isto talvez mais intensamente do que deveria, visto que sou apenas a sua senhoria. Ouvi, pois, algumas coisas, mas não acho que sejam especialmente más. Isso não. Está efectivamente preso, mas não da maneira como se prende um ladrão. Se uma pessoa é presa como ladra, considero isso realmente horrível, mas o seu caso dá-me a sensação de ser qualquer coisa mais transcendente. Desculpe-me se o que eu digo é estúpido, dá-me a impressão de ser qualquer coisa transcendente que não percebo, mas que não é para eu perceber.»





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