O Processo - Cap. 8: Capítulo 8 Pág. 147 / 183

É um fenómeno extraordinário, quase uma lei natural. É claro que é óbvio que o facto de ser acusado não altera o aspecto de um homem. Estes casos não são como os vulgares casos de crime: a maioria dos réus continua a exercer as suas profissões e, se estiverem nas mãos de um bom advogado, os seus interesses quase nada sofrem. E há, no entanto, quem, por experiência em tais assuntos, consiga apontar, um após outro, os acusados no meio de grandes multidões. Como é que eles sabem?, perguntará o senhor. Lamento muito, mas a minha resposta não será muito satisfatório. Eles sabem-no porque os acusados são sempre os mais atraentes. Não deve ser a culpa que os torna atraentes, porque, sinto o dever de, como advogado, lhe dizer, eles não são todos culpados e não pode ser a pena antecipadamente imposta pela justiça que os vai tornar atraentes, pois nem todos eles serão condenados, e, por consequência, deve ser a simples culpa que lhes é atribuída que, de certo modo, realça a sua atracção, mas eles são todos atraentes, mesmo aquele desgraçado Block.»

Quando o advogado acabou esta arenga, K. já se tinha recomposto completamente e até havia acenado afirmativamente com a cabeça em sinal de acordo com as últimas palavras, se bem que, na realidade, ele visse confirmada a opinião, que há muito alimentava no seu espírito, de que o advogado tentava sempre, tal como agora, introduzir generalidades despropositadas com o fim de dispersar a sua ateu, ao do ponto principal, que era: o que é que se tinha conseguido no avanço do processo? O advogado sentiu provavelmente que K. estava mais hostil do que usualmente, porque, neste momento, parou de falar por momentos, para lhe dar a oportunidade de dizer alguma coisa, e em seguida perguntou, já que K se conservava silencioso: «O senhor veio cá esta noite por alguma razão especial?» «Sim», respondeu K., tapando com a mão a sombra da vela para poder observar melhor o advogado. «Eu vim cá para o informar de que dispensarei os seus serviços a partir de hoje.» «Estarei a compreender bem o que o senhor me disse?», perguntou o advogado, soerguendo-se na cama e apoiando uma das mãos nas almofadas. «Espero que sim», disse K., sentando-se muito direito, como se estivesse em guarda. «Bom, isso é um plano que podemos pelo menos discutir», disse o advogado depois de uma pausa. «Não é plano nenhum, é um facto», respondeu K. «Pode ser», volveu o advogado, «mas nós escusamos de estar com tanta pressa.»





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