O Processo - Cap. 8: Capítulo 8 Pág. 148 / 183

Ele usava a palavra nós como se não fosse sua intenção permitir que K. se separasse dele, como se, pelo menos, se pudesse manter como conselheiro de K., se não seu assistente oficial. «Não é nenhuma decisão precipitada», disse K., levantando-se lentamente e colocando-se atrás da sua cadeira. Já pensei bastante no assunto, talvez até de mais. Esta é, pois, a minha decisão final.» «Então permita-me que faça alguns comentários», volveu o advogado, tirando o edredão de penas e sentando-se na borda da cama. As pernas nuas, salpicadas de pêlos brancos, tremiam de frio. Pediu a K. o favor de lhe chegar uma manta que estava em cima do sofá. K foi buscar a manta e disse: «É absolutamente desnecessário arriscar-se a apanhar um resfriamento.» «Tenho razões bastante fortes para o fazer», respondeu o advogado, enrolando o edredão nos ombros e cobrindo as pernas com a manta.

«Seu tio é meu amigo e, com o decorrer do tempo, comecei a sentir por si também uma certa amizade. Confesso-o abertamente, pois não é nada de que me tenha de envergonhar.» Esta explosão de sentimentos da parte do velho advogado não satisfez nada K., pois isso obrigava-o a ser mais explícito nas suas afirmações, o que preferira evitar, até porque se sentia atrapalhado, tal como confessava a si próprio, se bem que este facto em nada afectasse a sua decisão. «Sinto-me muito grato pela amizade que demonstra», disse ele, «e creia que aprecio tudo o que fez pensando que me trazia vantagens. Há já, contudo, algum tempo que me convenço de que todos os seus esforços são insuficientes. Não estou a tentar, evidentemente te, impor a minha opinião a um homem muito mais velho e muito mais experiente do que eu; se, inconscientemente o fiz, peço-lhe que me perdoe, mas tenho para isso razões bastante fortes, para usar a sua própria frase, e estou convencido de que será preciso despender muito mais energias neste meu processo do que se têm despendido até aqui.» «Compreendo», volveu o advogado, «o senhor está a tornar-se impaciente.» «Não estou de modo nenhum a tornar-me impaciente», respondeu K., já um pouco irritado e, por isso, menos cuidadoso na escolha das palavras; «o senhor doutor deve ter notado na primeira visita que lhe fiz, quando aqui vim com meu tio, que não estava a levar o meu caso muito a sério; esquecê-lo-ia completamente se não me obrigassem a lembrar-me dele. Mais ainda, meu tio insistia em que fosse o senhor a representar-me e eu anui para lhe ser agradável.





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