O Processo - Cap. 8: Capítulo 8 Pág. 149 / 183

Qualquer pessoa pensaria, naturalmente, que eu sentiria a minha consciência mais aliviada depois disso, visto que, ao fim e ao cabo, se contrata um advogado para aliviar um pouco a carga dos próprios ombros. Contudo, aconteceu justamente o contrario. Nunca me senti tão atormentado com o meu processo senão depois de o senhor ter tomado conta dele. Enquanto estive só, nada tive de fazer, até mal me preocupava; em contrapartida, depois de ter um advogado senti que nesta fase qualquer coisa pairava no ar e esperei com uma crescente ansiedade pela sua intervenção, mas o senhor doutor nada fez. É certo que me deu informações acerca do tribunal que não me teria sido possível colher noutro sítio quais quer. Contudo, acho que esta não é a colaboração de que necessita um homem que sente o pavor a assenhorar-se dele e a invadi-lo rapidamente te.» K. já tinha afastado a cadeira e estava agora de pé, direito, com as mãos nas algibeiras do casaco. «Depois de um certo tempo de prática», disse o advogado lentamente, num tom de voz baixo, «nada novo acontece realmente. Quantos dos meus clientes não chegaram, nos seus processos, ao mesmo ponto que 0 senhor e se me apresentaram exactamente no mesmo estado de espírito e me disseram as mesmas coisas!» «Bem», retorquiu K., «então eles estavam tão dentro da razão como eu. Em nada contradizem os meus argumentos.» «Mas eu não estava a tentar contradizê-los», volveu o advogado; «no entanto, gostaria de acreditar que esperava que o senhor mostrasse mais senso do que os outros, especialmente devido ao facto de eu lhe ter transmitido pormenores mais desenvolvidos da actividade do tribunal e da minha própria maneira de proceder do que aqueles que usualmente forneço aos meus clientes. E agora não posso deixar de verificar que, apesar de tudo isto, o senhor não tem em mim a necessária confiança. Não me facilita a vida de maneira nenhuma.» Como o advogado se humilhava perante K.! E sem respeito pela sua dignidade profissional, que era verdadeiramente o mais impressionante neste momento critico. Por que o faria ele? Se as aparências não enganavam, ele tinha bastante procura como advogado e vivia com abundância, não sendo a perda de K como cliente, ou a perda dos seus honorários, que o iriam afectar grandemente. Além disso, era um inválido, pelo que devia encarar a conveniência de perder clientes. Contudo, era com grande insistência que ele se agarrava a K. Porquê? Seria a amizade pessoal que nutria pelo tio de K, ou consideraria ele o processo de K tão extraordinário que esperasse ganhar prestigio, quer por defender K, quer — possibilidade que não era de excluir — por desejar ajudar os seus amigos do tribunal? O seu rosto nada deixava transparecer, por mais minucioso que fosse o exame que K lhe fazia.





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