O Processo - Cap. 8: Capítulo 8 Pág. 150 / 183

Quase se podia supor que a palidez do rosto era deliberada enquanto aguardava o efeito das suas palavras. Contudo, interpretava obviamente como demasiado favorável o silêncio de K, visto que continuou a falar: «Deve ter notado que, embora o meu escritório seja bastante espaçoso, não tenho ninguém a ajudar-me. Não era o que acontecia antigamente, pois houve uma altura em que diversos estudantes de Direito, ainda novos, trabalhavam para mim, mas agora trabalho sozinho. Esta mudança coaduna-se em parte com a alteração da minha maneira de trabalhar, pois devoto-me cada vez mais a processos semelhantes ao seu e, por outro lado, por se ter gerado uma crescente confiança à minha volta. Senti que não poderia ser justo delegar noutra pessoa a responsabilidade destes processos sem enganar os meus clientes e pôr em perigo os deveres que assumi. No entanto, a decisão de arcar sozinho com todo o trabalho originou obviamente as naturais consequências: tive de recusar a maioria dos processos que me entregavam e aceitar apenas os que mais me sensibilizavam... e posso afirmar-lhe que mesmo neste bairro não falta quem esteja sempre pronto a apanhar os restos que deito fora. Por isso é que, sobrecarregado de trabalho, acabei por adoecer. De qualquer maneira, não me arrependo da decisão que tomei e o que devia talvez ter feito era ter sido mais firme e ter mesmo recusado ainda mais casos; no entanto, o meu plano de me devotar inteiramente aos processos que aceitei provou ser absolutamente eficaz e suficientemente justificado pelos resultados obtidas. Li uma vez uma descrição muito bem escrita sobre a diferença existente entre um advogado de processos jurídicos vulgares e um advogado de casos semelhantes ao seu que era assim: o primeiro conduz o seu cliente por um fio fino até à sentença ser dada, mas o segundo leva o seu cliente às costas, desde o princípio, sem o pôr no chão uma única vez, até a sentença ser pronunciada e mesmo depois. Isto é verdade. No entanto, não é inteiramente verdade quando afirmo que não estou arrependido de me ter devotado a esta grande tarefa. Quando, à semelhança do que se está a passar com o seu processo, o meu trabalho é mal interpretado, então, e só então, quase lamento tê-lo feito.» Em vez de convencer K., este discurso apenas o tornou mais impaciente. Ele imaginava, pelo tom de voz do advogado, o que lhe estava reservado se ele condescendesse; recomeçariam os mesmos velhos discursos, as mesmas referências aos progressos do requerimento, à maior simpatia deste ou daquele funcionário, não esquecendo entretanto as enormes dificuldades que surgiam no caminho — em suma, as mesmas velhas trivialidade seriam trazidas novamente à cena, quer para o iludir com falsas esperanças, quer para o atormentar com igualmente vagas ameaças.





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