O Processo - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 162 / 183

O tempo de que ainda dispunha foi devotado a copiar do dicionário diversas palavras com as quais não estava familiarizado e das quais ele iria necessitar durante a visita à catedral. Era uma tarefa invulgarmente aborrecida: entravam contínuos com cartas, chegavam funcionários com pedidos de informações, permanecendo à entrada da porta ao verem que K. estava ocupado, mas não se afastando enquanto ele não lhes respondesse, o subgerente não perdia a oportunidade de se tornar maçador e aparecia de vez em quando, tirava o dicionário das mãos de K. e, com óbvia indiferença, começava a folheá-lo; eram mesmo vagamente visíveis alguns clientes na sala de espera, sempre que a porta se abria, a fazer suplicantes vénias para chamarem a atenção sobre si, mas na incerteza de terem sido ou não vistos. Toda esta actividade se desenrolava à volta de K., como se fosse o seu centro, enquanto ele se ocupava em reunir vocábulos de que podia vir a necessitar, procurando-os no dicionário, copiando-os, praticando a pronúncia deles e, finalmente, tentando decorá-los. A sua memória, outrora extraordinária, parecia tê-lo abandonado e de vez em quando ficava tão irritado com o italiano que tinha sido o causador deste trabalho todo que metia o dicionário debaixo de uma pilha de papéis, decidido a não se preocupar mais com o aumento dos seus conhecimentos; contudo, não podia deixar de concordar que não faria sentido andar com o italiano a mostrar-lhe os tesouros artísticos da catedral em completo silêncio, pelo que, mais enraivecido ainda, voltava a pegar no dicionário.

Eram exactamente nove horas e meia e preparava-se para se levantar e partir, quando o telefone tocou; Leni deu-lhe os bons-dias e perguntou-lhe como estava; K. agradeceu-lhe apressadamente e disse-lhe que não podia atendê-la porque tinha de ir à catedral. «À catedral?», perguntou ela. «Sim, à catedral.» «Mas por que razão tens tu de ir à catedral?», tornou Leni. K. tentou explicar-lhe resumidamente, mas, mal tinha começado, já ela lhe estava a dizer: «Eles estão a perseguir-te.» A piedade, que era uma coisa que não tinha pedido e não esperava, era mais do que K. podia suportar; preferiu,, pois, umas palavras de despedida e, quando pousou o auscultador, murmurou, em parte para consigo, em parte para com a rapariga, que, já afastada, não o podia ouvir: «Sim, eles estão a perseguir-me.»





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