O Processo - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 164 / 183

Lá ao longe, no altar-mor, brilhava um grande triangulo de velas a arder; K. não poderia afirmar se tinha dado antes por elas ou não. Talvez tivessem acabado de ser acesas. Os sacristães são sorrateiros no seu andar e passam despercebidos. Aconteceu que K. se voltou e viu por detrás dele, e não muito longe, o clarão de outra vela a arder, uma vela alta e grossa sobre um pilar. Era maravilhoso contemplá-la, mas tornava-se absolutamente insuficiente para iluminar os painéis que, na sua maioria, permaneciam na escuridão dos altares laterais, aumentando efectivamente a escuridão. O italiano foi tão sensato como descortês em não ter aparecido, pois não teria visto nada; contentar-se-ia em examinar uns fragmentos de imagens à luz da lanterna de bolso de K. Era curioso ver, já agora, que espécie de efeito isso faria, e, assim, K. subiu os degraus de um pequeno altar lateral até uma baixa balaustrada e, curvando-se sobre ela, focou a sua lanterna sobre o painel. A luz de uma lamparina pairava sobre ele como um intruso. A primeira coisa que K. divisou, em parte por suposição, foi um cavaleiro enorme de armadura pintado no extremo superior do painel. Estava apoiado na sua espada, que se encontrava enterrada no chão nu, excepto quanto a um ou outro tufo de relva. Parecia estar a presenciar qualquer acontecimento que se desenrolava diante dos seus olhos. Era surpreendente como ele permanecia tão quieto, sem se aproximar. Talvez tivesse de estar ali como guarda. K., que há muito não via quadros, estudou este cavaleiro durante longo tempo, se bem que a luz esverdeada da lamparina o encandeasse. Quando focou a lanterna sobre a restante parte do painel, descobriu que era Cristo representado no túmulo, pintura num estilo convencional e relativamente recente. Guardou a lanterna no bolso e voltou para o seu lugar.

Muito provavelmente, já não era necessário esperar pelo italiano durante mais tempo, mas, como a chuva talvez ainda caísse lá fora e dentro da catedral não estava tanto frio como K imaginara, decidiu ficar ali mais um bocado. Muito perto dele elevava-se o púlpito grande; no seu pequeno dossel abobadado estavam colocados dois crucifixos inclinados de tal modo que os seus eixos se cruzavam no topo.





Os capítulos deste livro