O Processo - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 167 / 183

K. perguntou a si próprio se esta não seria a altura ideal para desaparecer dali rapidamente; se não partisse agora, não poderia fazê-lo durante o sermão, pois teria de ali ficar durante todo o tempo que ele durasse. Já se atrasara no escritório e não tinha obrigação de esperar mais tempo pelo italiano; olhou para o relógio: eram onze horas. Mas haveria de facto um sermão? Podia K. representar, só por si, a congregação? E se ele fosse um simples estranho que visitava a igreja? Esta era mais ou menos a situação. Era absurdo pensar que se ia pregar um sermão às onze horas da manhã, num dia de semana, com um tempo tão horrível. O padre — ele era sem dúvida um padre, um jovem de rosto liso e moreno — subia obviamente ao púlpito para apagar simplesmente a lâmpada que acendera por engano.

Porém, não foi nada disto que sucedeu; o padre, depois de inspeccionar a lâmpada, alteou a mecha, em seguida voltou-se lentamente para a balaustrada e agarrou-se com ambas as mãos aos bordos da mesma. Ficou assim por momentos, olhando em redor, sem, contudo, mover a cabeça. K colocara-se a uma boa distancia e unha os cotovelos apoiados no banco da frente. Sem saber exactamente onde o sacristão se tinha colocado, apercebeu-se vagamente da presença do velhote, de costas curvadas, descansando, como se o seu trabalho estivesse concluído. Que paz reinava agora na catedral! Contudo, K. ia violar aquele silêncio, pois não estava interessado em permanecer ali; se era dever do padre pregar o sermão a uma determinada hora, independentemente das circunstâncias, ele que o fizesse, pois consegui-lo-ia sem o apoio de K., justamente porque a presença de K. não contribuiria certamente para a sua eficácia. Assim, começou a afastar-se lentamente, caminhando serenamente ao longo do banco, nas pontes dos pés, até alcançar a larga nave central, apenas perturbado pelo ressoante ruído que os seus passas leves faziam nas lajes e pelo eco produzido pelo tecto abobadado, multiplicando-se fraca mas continuamente. K. sentia-se um pouco desamparado à medida que avançava, uma figura solitária por entre as filas de bancos vazios, provavelmente com o olhar do padre a segui-lo; as proporções da catedral impressionavam-no, como se constituíssem o limite máximo que o ser humano pudesse suportar.





Os capítulos deste livro