O Processo - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 168 / 183

Quando chegou ao lugar onde tinha deixado o álbum, agarrou nele sem parar e levou-o consigo. Já tinha quase passado a última fila de bancos e ia penetrar no espaço livre entre a porta de saída e ele próprio, quando ouviu o padre levantar a voz. Era uma voz ressonante e bem treinada. O som ecoou através da expectante catedral. Mas não era aos fiéis que o padre se dirigia, as palavras eram claras e perceptíveis, ele chamava: «Joseph K.!»

K. parou e fixou o chão diante dele. De momento, era ainda um homem livre, podia continuar o seu caminho e desaparecer por uma das pequenas e escuras portas de madeira que havia à sua frente e relativamente perto dele. Isso significaria simplesmente que ele não tinha entendido o chamamento ou que o tinha percebido, mas que não se importava Contudo, se se voltasse, seria apanhado, pois isso confirmaria que tinha percebido muito bem, que ele era efectivamente a pessoa que chamavam e que estava pronto a obedecer. Se o padre o tivesse chamado segunda vez, K. teria certamente continuado o seu caminho, mas, como tudo se conservou silencioso, embora ele estivesse há muito tempo à espeta, não conseguiu deixar de virar um pouco a cabeça, apenas para ver o que o padre estava a fazer. O padre estava de pé calmamente no púlpito, tal como o deixara, embora fosse óbvio que tinha visto K. voltar a cabeça. Teria sido como um jogo infantil das escondidas se K não se tivesse voltado imediatamente e não o tivesse encarado. K. fê-lo e o padre acenou-lhe para que se aproximasse. Já que não havia agora razão para fugir, K. apressou-se a voltar para trás — estava tão curioso como desejoso de apressar a entrevista —, dando largas passadas em direcção ao púlpito. K. parou nas primeiras fileiras dos bancos, mas o padre achou a distancia ainda demasiadamente grande; estendeu um braço e apontou com o indicador esticado para um lugar mesmo em frente ao púlpito. K. seguiu também naquela direcção; quando chegou ao local indicado, teve de inclinar bastante a cabeça para trás a fim de conseguir ver o padre. «Tu és Joseph K.», disse o padre, levantando uma mão da balaustrada com um gesto indefinido. «Sim, sou», respondeu K., pensando na naturalidade com que costumava dizer o seu nome e no fardo que este se tinha tornado para ele ultimamente; agora até as pessoas que ele nunca vira antes pareciam saber o seu nome. Que agradável era uma pessoa poder apresentar-se antes de ser reconhecida! «És um homem acusado», disse o padre num tom de voz muito baixo. «Sim, sou», respondeu K, «fui disso informado.»





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