O Processo - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 33 / 183

Até àquele momento, o Juiz de Instrução tinha-se mantido de pé, pois fora surpreendido com o discurso de K. ao levantar-se para repreender a galeria. Aproveitando esta pausa, voltou a sentar-se, muito lentamente, evitando chamar a atenção sobre si. Para provavelmente serenar o espírito, voltou a manusear o bloco de apontamentos.

«Isso não irá ajudá-lo muito», continuou K.; «o seu bloco de apontamentos, senhor, confirma o que lhe digo.» Encorajado pelo simples som das suas frias palavras ditas naquela estranha assembleia, K. arrebatou simplesmente o bloco de apontamentos das mãos do Juiz e pegou-lhe com as pontes dos dedos, segurando-o por uma folha do meio, como se ele lhe sujasse as mãos, de tal modo que as folhas completamente escritas, manchadas, de cantos amarelecidos, ficaram penduradas para um lado e para o outro. «Estes são os registos do Juiz de Instrução», disse ele, deixando-o cair novamente sobre a mesa. «Senhor Juiz de Instrução, V. EX.ª pode continuar a lê-lo à sua vontade, não temo esse seu livrinho, embora, na realidade, ele seja para mim um livro fechado, pois não lhe tocaria senão com as pontes dos dedos e nem lhe pegaria sequer com as mãos.» Poderia ser um sinal de profunda humilhação, ou, pelo menos, ser interpretado como tal, o facto de o Juiz de Instrução ter então apanhado o bloco de apontamentos do sítio onde caíra sobre a mesa, tentado pô-lo novamente em ordem e começado uma vez mais a sua leitura.

Os olhos das pessoas que ocupavam as primeiras filas estavam tão tensamente fixos em K. que, por momentos, este permaneceu silencioso a fixá-las. Eram praticamente todos homens de idade, alguns deles de barbas brancas. Seria possível que fossem estes os homens de influência, os homens que arrebatariam toda a assistência, que se tinha recusado a abandonar a atitude de indiferença em que havia mergulhado desde o início do discurso dele, mesmo durante a humilhação que ele publicamente havia infligido ao Juiz de Instrução?

«O que me aconteceu», prosseguiu K. num tom de voz mais baixo do que antes, tentando ao mesmo tempo ler os rostos da primeira fila, o que tornava o seu discurso um tanto desligado, «o que me aconteceu não é senão um exemplo de pouca importância, especialmente porque não o levo muito a sério, mas que retrata bem a desencaminhada acção que está também a ser movida contra muitas outras pessoas. É por elas que tomo esta posição de defesa, não por mim próprio.»





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