O Processo - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 4 / 183

Isso não deveria voltar a acontecer, pelo menos desta vez; se isto não passasse de uma comédia, ele continuaria a desempenhar o seu papel até ao fim.

Contudo, ele ainda era livre. «Com licença», disse K., passando rapidamente entre os guardas, na direcção do seu quarto. «Parece ter algum senso», ouviu um deles dizer atrás de si. Logo que chegou ao quarto, abriu a gaveta da sua secretária. Tudo permanecia em perfeita ordem, mas, na sua precipitação, não conseguiu, a principio, encontrar os seus documentos de identidade, que procurava. Por fim, encontrou a licença da biciclera e já se preparava para a ir entregar aos guardas quando lhe pareceu que ela pouco valia, pelo que, procurando novamente, achou a certidão de idade. Ao entrar outra vez no quarto ao lado, a porta em frente abriu-se e Frau Grubach apareceu. Viu-a apenas por um instante, pois ela, mal o reconheceu, ficou tão embaraçada que, pedindo desculpa pela intrusão, desapareceu, fechando a porta com o máximo cuidado. «Entre, entre!», teria ele ainda tido tempo de dizer. Mas ficou simplesmente especado no meio do quarto, com os documentos na mão, a olhar para a porta, que não voltou a abrir. Só veio a si ao ouvir um berro dos guardas, que entretanto se tinham sentado à mesa, junto da janela aberta, devorando o seu pequeno-almoço, conforme acabara de notar. «Por que não veio ela?», perguntou. «Porque não está autorizada a fazê-lo», disse o guarda mais alto, «visto que o senhor está preso.» «Mas por que razão estou eu preso? E particularmente assim, de maneira tão ridícula'» «Lá começa o senhor nova'menre!», disse o guarda, molhando uma fatia de pão com manteiga na taça de mel. «Náo respondemos a tais perguntas.» «Terão de responderás, disse K. «Eis os meus documentos, e agora mostrem-me os vossos e, antes de tudo, o mandado de captura.» «Oh, meu Deus!», exclamou o guarda. «Se ao menos o senhor compreendesse a nossa posição e evitasse aborrecer-nos inutilmente, a nós, que, provavelmente, somos quem mais o estima e estamos èm contacto consigo mais do que ninguém.» «Isso mesmo, acredite», acrescentou Franz, fitando-o com um olhar demorado, aparentemente significativo, embora incompreensível, e suspendendo o gesto de levar aos lábios a chávena de café que segurava na mão. Embora involuntariamenre, K. deixou-se arrastar num diálogo de olhares com Franz, mas, reagindo, acenou com os documentos e disse: «Aqui está a minha documentação.» «E para que a queremos nós?», ripostou o guarda mais alto. «O senhor está a proceder pior do que uma criança. O que é que o senhor quer? Pensa que vai fazer andar mais depressa este seu lindo processo só porque barafusta connosco, os seus guardas, por causa de documentos e mandatos de captura? Somos apenas simples subordinados e pouco percebemos de documentos. Nada temos que ver como seu caso, a não ser vigiá-lo dez horas por dia, que é para isso que nos pagam.





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