O Processo - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 44 / 183

Ontem, mandou-me um par de meias pelo estudante que trabalha com ele e de quem é muito amigo, salientando que era uma recompensa pelo trabalho que tenho tido com a limpeza da sala de audiências, mas é claro que isto foi simplesmente uma desculpa, visto que esse é o meu dever e meu marido deve ser pago por esse trabalho. As meias são lindas, olhe.» Estendeu as pernas, levantou as saias acima dos joelhos e contemplou as meias. «São umas lindas meias, mas finas de mais e nem são de modo nenhum próprias para uma mulher como eu.»

De repente parou, pôs a mão sobre a de K., como se o quisesse sossegar, e disse: «Silêncio, Bertold está a observar-nos.» K. levantou os olhos lentamente. A porta da sala de audiências estava um rapaz baixo, de pernas levemente arqueadas, que se esforçava por aparentar dignidade, cofiando continuamente a barba curta, rala e avermelhada. K. fitou-o com interesse. Ele era o primeiro estudante da misteriosa jurisprudência que encontrava, por assim dizer, humanamente e que qualquer dia alcançaria uma das mais elevadas posições. O estudante, contudo, não pareceu prestar a mínima atenção a K., tendo feito simplesmente um sinal à mulher, com um dedo que retirou por momentos da barba, e encaminhou-se para a janela. A mulher inclinou-se para K e segredou: «Não fique zangado comigo; por favor, não pense mal de mim, tenho de ir ter com ele agora. Tem realmente uma aparência horrenda, veja só como as pernas dele são arqueadas. Voltarei num instante e irei consigo se o senhor me levar, irei consigo para onde quiser ir, poderá fazer de mim o que quiser, adoraria sair daqui por muito tempo e até gostaria que fosse para sempre. Fez uma última carícia na mão de K., levantou-se e correu para a janela. Sem querer, a mão de K. procurou no ar a mão dela. Sentia-se atraído pela mulher e, depois de reflectir maduramente, não descobriu nenhuma razão válida para não se entregar àquela atracção. Afugentou sem dificuldade a ligeira suspeita de que ela lhe estivesse a preparar uma cilada por instruções recebidas do tribunal. De que maneira podia ela apanhá-lo? Não era ele ainda livre para escarnecer da autoridade deste tribunal agora e sempre, pelo menos na medida em que o atingia? Não poderia ter um pouco de confiança em si próprio? E a oferta que ela lhe fizera para o ajudar parecia tão sincera que não era provavelmente de desprezar.





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