O Processo - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 49 / 183

Não haverá outro remédio, perguntou K, sorrindo. «Não que eu conheçais, respondeu o oficial de diligências. «E ultimamente tem-se tornado pior do que nunca. Antigamente, levava-a para seu próprio prazer, mas agora, como há muito venho esperando, leva-a para junto do Juiz de Instrução.» «Mas a sua mulher não terá também alguma culpa?», perguntou K. Teve de fazer um esforço para se dominar enquanto fazia esta pergunta, tão ciumento se sentia. «Mas com certeza», respondeu o homem, «ela é na realidade a mais culpada de todos. Ela é que se atira a ele. E ele, é claro, é do género de ir atrás de qualquer mulher que vê. Só neste prédio já foi expulso de cinco apartamentos onde tentou insinuar-se. E, sendo a minha mulher a mais bonita deste sino, devido à minha situação, não me posso defender.» «Se assim é, parece que não há outro remédio», retorquiu K. «E por que não?», perguntou o oficial de diligências. «Se um dia levasse uma boa sova quando andasse atrás dela... ele é um cobarde... nunca mais se atreveria a fazê-lo. Mas eu não posso bater-lhe e ninguém me faria esse favor porque todos têm medo dele por ser muito influente. Só um homem como o senhor poderia fazê-lo.» «Mas por que havia de ser eu?», indagou K., surpreendido. «O senhor está preso, não é verdade?», disse o homem. «Sim», respondeu K., «e tenho por isso muito mais razões para temer o estudante, visto que, ainda que ele não exerça nenhuma influência sobre o resultado final do processo, poderá provavelmente ter influência sobre os interrogatórios preliminares.» «Sim, isso é verdade», replicou o oficial de diligências, como se o ponto de vista de K sobre o assunto fosse tão evidente como o seu próprio. «Todavia, regra geral, todos os nossos processos têm conclusões antecipadas.» «Não sou dessa opinião», disse K., «mas isso não impede que eu dê uma tareia no estudante.» «Ficar-lhe-ia muito grato», respondeu o homem bastante normalmente; não lhe parecia possível que o seu maior desejo viesse a realizar-se. «Pode ser que», continuou K, «alguns dos vossos funcionários, provavelmente todos eles, mereçam o mesmo tratamento.» «Ah, sim!», respondeu 0 homem, como se aprovasse uma coisa vulgar. Em seguida volveu para K. um olhar de entendimento, como ainda não se tinha atrevido a olhá-lo, apesar de terem estabelecido já relações de amizade, e acrescentou: «São todos rebeldes.» De qualquer modo, a conversa pareceu tê-lo tornado apreensivo, pois cortou-a dizendo: «Tenho de ir agora para cima. Quer vir também?» «Não tenho lá nada que fazer», respondeu K. «O senhor pode ver as repartições. Ninguém lhe prestará atenção.» «Acha que merece a pena vê-las?», indagou K., hesitante, mas sentindo de repente grande interesse em ir. «Bem», disse o oficial de diligências, «pensei que lhe interessasse.» «Está bem», respondeu K por fim, «irei consigo.» E subiu as escadas ainda mais depressa do que o oficial de diligências.





Os capítulos deste livro