O Processo - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 6 / 183

Sem responder a este oferecimento, K. conservou-se por momentos onde estava. Se ele abrisse a porta do quarto ao lado ou mesmo a que dá acesso ao vestíbulo, talvez eles não se atravessem a detê-lo, talvez esta atitude resolvesse o problema. Mas era possível que o agarrassem e, uma vez vencido, toda a superioridade que até certo ponto ainda mantinha ficasse irremediavelmente perdida. Consequentemente, em vez de uma rápida solução, decidiu-se pela certeza que o curso natural das coisas fatalmente traria e dirigiu-se ao seu quarto, sem que qualquer outra palavra tivesse sido pronunciada, quer por ele quer pelos guardas.

Atirou-se para cima da cama e pegou numa apetitosa maçã que deixara sobre o lavatório, na véspera à noite, para o seu pequeno-almoço. Era tudo o que tinha para comer, mas, ao saborear as primeiras dentadas, ficou convencido de que ela era preferível ao pequeno-almoço trazido do imundo café pelos seus gentis guardas. Sentiu-se confiante. É certo que não iria ao Banco nessa manhã, mas este facto seria facilmente ignorado, dado o elevado cargo que lá desempenhava. Deveria ele explicar a verdadeira razão da sua ausência? Pensou fazê-lo. Se não acreditassem nele, o que, nestas circunstâncias, seria fácil de aceitar, então apresentar-lhes-ia Frau Grubach como testemunha, ou mesmo as duas estranhas criaturas que vivem em frente e que, cambaleantes, voltavam de novo para a janela oposta ao seu quarto. K. estava surpreendido pelo facto de os guardas o terem deixado só no quarto, onde tinha bastantes oportunidades de se suicidar. Não deixou, porém, de, ao mesmo tempo, perguntar a si próprio que motivo teria para cometer um tal acto. O facto de os dois carcereiros se haverem sentado no quarto contíguo e terem simplesmente interceptado o seu pequeno-almoço? Suicidar-se seria um acto de tal forma disparatado que, ainda que o desejasse, não se decidiria a fazê-lo. Se a pobreza intelectual dos guardas não fosse tão manifesta, quase suporta, por idênticas razões, que eles também não viam qualquer perigo em o deixar sozinho. Podiam observá-lo agora, enquanto se dirigia ao armário de parede onde guardava uma garrafa de boa aguardente, para encher um copo e bebê-lo, o que completava o seu pequeno-almoço; beber um segundo copo para lhe dar animo; e beber o último apenas como precaução pela improvável contingência de vir a necessitar dele.





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