O Processo - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 77 / 183

Enquanto contava a sua história ia olhando através do vidro e reparou que se estavam a aproximar exactamente dos subúrbios onde o tribunal tinha as suas repartições instaladas no sótão; chamou a atenção do tio para o facto, mas este não pareceu especialmente surpreendido com a coincidência. O táxi parou em frente a uma casa escura. Seu tio tocou à campainha da primeira porta do rés-do-chão; enquanto aguardavam, mostrou os seus grandes dentes num sorriso e segredou: «Oito horas, uma hora desusada para os clientes aparecerem. Certamente que Huld me não levará a mal.» Por detrás de uma gradezinha na porta apareceram dois grandes olhos negros que fixaram por um momento os dois visitantes e desapareceram novamente; no entanto, a porta conservou-se fechada. K. e o tio asseguraram um ao outro terem visto realmente dois olhos. «É provavelmente uma nova criada com medo de estranhos», disse o tio, batendo outra vez. Os olhos apareceram de novo, desta vez com uma expressão que se diria triste, mas que talvez fosse apenas uma ilusão criada pelo bico de gás que, a descoberto, ardia exactamente por cima das suas cabeças e sibilava Mudamente, dando, no entanto, uma luz fraca. «Abra a porta!», gritou o tio de K., dando com os punhos umas pancadas na porta, «Somos amigos de Herr Huld.» «Herr Huld está doente», ouviu-se num sussurro por detrás deles. Uma porta fora aberta no outro extremo do pequeno corredor e um homem em roupão encontrava-se ali a dar a informação num tom de voz muito baixo. O tio de K., por já estar furioso de tanto esperar, virou-se, gritando: «Doente? Diz que ele está doente?», e dirigiu-se quase ameaçadoramente para o homem; como se ele personificasse a doença. «Já abriram a porta», disse o homem, indicando a porta do advogado, após o que apertou mais o roupão e desapareceu. A porta fora realmente aberta e no vestíbulo de entrada estava uma rapariga — K. reconheceu os olhos negros e um tanto protuberantes que vira antes — com um longo avental branco, segurando na mão uma vela. «Para a próxima vez seja mais ligeira a abrir a porta», foi o cumprimento que o tio de K. lhe dirigiu, enquanto ela esboçava uma vénia. .«Anda, Joseph», gritou ele a K., que, ao passar pela rapariga, lentamente, tentava insinuar-se. «Herr Huld está doente», preveniu a rapariga, visto que o tio de K. se dirigia sem qualquer hesitação a uma porta interior. K. ainda estava a fitar a rapariga, que lhe voltou as costas para correr o ferrolho da porta. Ela tinha uma cara redonda de boneca; eram redondas não só as pálidas bochechas e o queixo mas também as fontes e a linha da testa. «Joseph!», berrou o tio, que perguntou depois à rapariga: «É do coração?» «Penso que sim», respondeu a rapariga, que entretanto conseguira passar-lhes à frente de vela na mão e abrir a porta de um quarto.





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