O Processo - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 93 / 183

E era então em ocasiões como esta que se podia verificar que aqueles homens levavam a sério a sua profissão, mergulhando em desespero quando se lhes deparavam obstáculos que a força das circunstâncias os impedia de vencer. De outro modo, também não se pode fazer-lhes a injustiça de considerar fácil a sua posição. As categorias dos funcionários dentro deste sistema judiciário eram de tal maneira infindáveis que nem mesmo os iniciados conseguiam avaliar a hierarquia delas no seu conjunto. Como consequência de os processos dos tribunais serem confidenciais para os funcionários subalternos, eles mal conseguiam seguir o andamento dos processos nos quais tinham estado a trabalhar; assim, aparecia frequentemente um caso especial dentro da órbita jurídica, sem se saber onde começava e onde acabava. Desta forma, o conhecimento derivado do estudo das várias fases dos processos, da decisão final e das razões dessa decisão ficava fora do alcance destes funcionários. Eram forçados a cingir-se à fase do processo que lhes tinha sido prescrita por lei; mas, relativamente ao que se seguia, por outras palavras, aos resultados do seu próprio trabalho, sabiam geralmente menos a esse respeito do que a própria defesa, que, em regra, permanecia em contacto com o acusado quase até ao fim do processo. Por conseguinte, também a este respeito tinham possibilidade de aprender muito com a defesa. Tendo isto em mente, deveria então K. ficar surpreendido ao descobrir que os funcionários viviam num estado de irritabilidade que muitas vezes se manifestada de uma maneira ofensiva ao lidarem com os seus clientes? Isso era do conhecimento geral. Todos os funcionários se encontravam num estado de irritação permanente, mesmo quando aparentavam estar calmos. Decerto que os advogados insignificantes eram os que mais sujeitos estavam a sofrer desse nervosismo. Esta, por exemplo, é uma história que se costuma contar e que parece ter foros de verdade: um velho funcionário, um homem bem intencionado e calmo que tinha em mãos um caso, aliás, bastante prejudicado pelos requerimentos dos advogados, decidiu estudá-lo afincadamente durante um dia inteiro e uma noite — os funcionários são, efectivamente, mais conscienciosos do que ninguém. Pois bem, pela manhã, depois de vinte e quatro horas de trabalho com resultados provavelmente pequenas, dirigiu-se à porta de entrada e, escondido atrás dela, foi atirando pela escada abaixo todos os advogados que tentavam entrar. Os advogados reuniram-se em baixo e discutiram sobre a atitude a tomar; por um lado, não tinham realmente o direito de entrar, não podendo, consequentemente, pôr nenhuma acção contra o velho funcionário, e também, como já se disse, tinham de evitar colocar-se em oposição à classe dos funcionários; por outro, cada dia que passassem fora do tribunal era um dia perdido para eles e, deste modo, muito dependia da sua entrada na sala.





Os capítulos deste livro