O Processo - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 98 / 183

Haveria alguma verdade no facto de ele explorar aquelas amizades unicamente em beneficio de K.? O advogado nunca se esquecia de mencionar que aqueles funcionários eram subalternos, portanto funcionários numa posição de dependência, cuja situação tinha fortes probabilidades de melhorar com a sua interferência, decerto valiosa nos diversos casos. Seria possível que eles utilizassem o advogado no sentido de este originar as tais interferências no andamento dos processos, interferências essas que eram susceptíveis de se tornar desfavoráveis ao réu? É natural que nem sempre o fizesse, era pouco provável. Ocasiões haveria, certamente, em que ao advogado seriam concebidas algumas vantagens como recompensa dos seus serviços, tanto mais que eles próprios tinham empenho na boa reputação profissional do advogado. No entanto, se aquela fosse efectivamente a posição, em que categoria se disporiam eles a colocar o processo de K. que, de acordo com o que o advogado dizia, era um caso difícil e, por conseguinte, importante e que tanto interesse tinha levantado no tribunal desde o principio? Não poderia haver muitas dúvidas acerca do que eles fariam. Já tinha sido dada uma explicação pelo facto de o primeiro requerimento não ter sido ainda entregue, se bem que o processo já durasse há meses, mas, segundo a versão do advogado, os processos ainda se encontravam na sua fase inicial, asserção que parecia bem premeditada para acalmar o acusado e, ao mesmo tempo, o manter numa situação irremediável, a fim de, subitamente, o confundir com o veredicto ou, pelo menos, com a noticia de que os exames preliminares tinham terminado em seu desfavor, tendo o caso sido entregue a autoridades superiores.

Era absolutamente necessário que K. interviesse pessoalmente. Em estados de profundo abatimento, tais como aquele em que havia mergulhado naquela manhã de Inverno, quando todos estes pensamentos povoavam a sua cabeça, é que ele se sentia especialmente incapaz de resistir a tal convicção. Não mais voltou a sentir o desprezo que em tempos nutrira pelo processo. Se ficasse sozinho no mundo, podia facilmente pôr a ridículo rodo este assunto, embora fosse também certo que, nesse caso, nunca se levantaria qualquer processo. Mas agora já seu tio o tinha arrastado para este advogado, havendo ainda que ter em consideração a posição da família. Nunca mais se pôde considerar independente do curso que o processo seguia, o que ele próprio imprudentemente mencionou a alguns dos seus amigos, tendo outros tido disso conhecimento por vias que lhe eram desconhecidas, e as suas relações com Fraulein Bürstner pareciam flutuar com o próprio caso—em resumo, já nem tinha a oportunidade de escolher entre aceitar ou rejeitar o processo, estava, sim, no meio dele, devendo defender-se por si próprio.





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