Ecce Homo - Cap. 4: Porque escrevo tão bons livros Pág. 45 / 115

Todos nós sabemos, e alguns, por experiência própria, o que é um animal orelhudo, Pois bem, ouso pretendê-lo, eu tenho orelhas pequenas. Não é isto coisa de pouco interesse para as mulheres - parece-me que se sentem mais bem compreendidas por mim... Sou o Antiasno por excelência; e sou por isso mesmo um monstro da história mundial! - sou em grego, e não só em grego, o Anticristo...

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Conheço, em certa medida, os meus privilégios de escritor; pude em determinados casos comprovar que a parte mais estável dos meus escritos «corrompe» o gosto. Acaba-se, muito simplesmente, por não suportar outros livros, e muito menos os de filosofia. Constitui sinal de distinção penetrar neste mundo nobre e delicado - para o que precisamente importa não ser alemão; e é, ao fim e ao cabo, unia distinção que é preciso. Merecer. Aquele que pela alta ansiedade é semelhante a mim, sente todo a êxtase de aprender: pois eu venho de cumeadas tais que jamais o voo das aves as alcança, cumeadas tais que nenhuns pés humanos lá recusaram subir. Houve quem me dissesse que não é possível pôr de parte qualquer livro meu sem o ter terminado, que perturbo até o justo repouso nocturno… Na realidade, não existe espécie alguma de livros ao mesmo tempo mais sobranceiros e mais subtis: - alcançaram, em toda a extensão, a maior altura que da terra é possível alcançar, o cinismo; têm que ser conquistados com dedos cautos e punhos poderosos. Quem é doente de alma, ou dispéptico, vê-se deles excluído, de uma vez por todas: reclamam não nervos, mas robustas entranhas. Dos meus livros está excluída toda a mesquinhez, todo aquele ar viciado nos recessos das almas, como também a cobardia, a impureza, o secreto rancor nascido nos intestinos: uma palavra minha, e todos os maus instintos vêm à luz.