Ecce Homo - Cap. 8: Aurora Pág. 71 / 115

Aurora

Reflexões sobre os preconceitos morais

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Começa com este livro, a minha campanha contra a moral. Não que em si tenha o menor cheiro a pólvora. Bem pelo contrário, encontram-se nele todos os demais odores, compondo um aroma muito mais agradável, mesmo para quem tenha deficiência de olfacto. Nem artilharia pesada, nem fogo de espingarda: seja embora negativo o efeito deste livro, não 00 são nitidamente Os seus processos, dos quais se desprendem os corolários como conclusão lógica não como fogo de barragem. Acabe-se a leitura com aguda desconfiança a respeito de tudo quanto se venerava e ainda de tudo quanto se adorava até ao presente sob o nome de moral, e, todavia, em todo o livro, não ocorre uma palavra de negação, nem um ataque, nem uma maldade; bem pelo contrário, ele estende-se, rotundo e feliz, como um animal marinho que toma o seu banho de sol entre os rochedos: quase todas as frases do livro, uma por uma, foram pensadas e como que pescadas nos mil labirintos desse caos de rochas situado nas proximidades de Génova, onde vivia sozinho e onde só com o mar tinha confidências. Ainda hoje, se acaso volto a tomar contacto com aquelas páginas, é, para mim, cada frase como que uma linha de pesca puxando a qual me vem das profundidades algum ser estranho, inesperado, maravilhoso: toda a sua pele vibra de frémitos subtis e evocadores.

A arte que este livro apresenta não é vulgar de modo nenhum: pode apreender coisas que deslizam sem rumor despercebidas instantes que comparo a lagartos maravilhosos, e' sabe picá-los num ponto, não como aquele jovem deus grego que comia, inocente, as sardaniscas, mas com intencional estilete acerado: a caneta do escritor... «Há tantas auroras que não despontaram ainda.





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