O caso Wagner Um problema musical
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Para poder prestar justiça a este escrito, é necessário ter sofrido da fatalidade da música como de uma ferida aberta.
De que sofro, quando sofro da fatalidade da música? Sofro de a música ter perdido o seu carácter afirmativo e transfigurador do mundo, sofro de ela ser música de decadência, de já não ser a flauta de Diónisos... Entretanto, se se aceitar que cada homem possa admitir a causa da música como sua própria, como a história do seu próprio sofrimento, verificar-se-á que o escrito é rico de informação nesse sentido e que é, em grau extremo, benévolo. Manter neste caso a alegria e rir com bonomia até de si próprio - «ridendo dicere severum» , quando o «verum dicere» justificaria todas as durezas - é, na verdade, bem próprio do homem. E quem poderá duvidar de que eu, velho artilheiro, seja capaz de mobilizar contra Wagner a minha artilharia pesada? Tudo quanto eu possuía neste ponto de mais decisivo, o viera adiando - amava Wagner... E, ao fim e ao cabo, dado todo o sentido da minha obra, e o caminho que esta seguira, qualquer adivinharia quem era o «desconhecido» contra o qual se dirigia o meu ataque. Ora eu tenho de desmascarar outros desconhecidos antes do Cagliostro da música.
E, a falar verdade tenho ainda preliminarmente de dirigir um ataque contra a nação alemã, a qual, na vida do espírito, se vai tornando cada vez mais débil e mais pusilânime de instintos, continuando com apetite nada vulgar a alimentar-se de coisas contraditórias, «a fé» tanto como a ciência a «caridade cristã» tanto como o anti-semitismo, a «vontade de poderio» («imperial») tanto como o evangelho dos humildes, sem experimentar por isso o mínimo sinal de indigestão.