Ecce Homo - Cap. 15: Por que sou uma fatalidade Pág. 106 / 115

Por que sou uma fatalidade

1

Conheço o meu destino. Dia vira em que apareça ligado ao meu nome memória de alguma coisa de formidável- de uma crise tal como jamais houve outra sobre a terra, do mais profundo choque de consciências, de um juízo proferido contra tudo quanto até hoje foi motivo de fé, de tudo quanto se exigiu, se santificou. Não sou homem, sou dinamite. Contudo, nada há em mim de um fundador de religião. Religiões são coisa do populacho, e eu tenho sempre de lavar as mãos depois de estar em contacto com religiosos... Nada quero com «crentes», suponho ser demasiado astuto para tal, nem sequer creio em mim próprio. Nunca falo às massas... Sinto um medo espantoso de que um dia me canonizem. E é fácil compreender por que dou a público este livro: ele deve evitar que se sirvam de mim como motivo de escândalo... Não, não quero que me tomem por santo, preferiria que me tomassem por arlequim... E talvez eu seja um arlequim... Apesar disso - não, não apesar disso, pois até hoje nada houve mais mentiroso do que um santo - apesar disso, a verdade fala pela minha boca. Mas a vinha verdade é aterradora, porque até hoje chamou-se verdade à mentira.

Transmutação de todos os valores, eis a fórmula para aquele acto decisivo de regresso da humanidade a si própria, que em mim se fez carne e génio. Quer o meu destino que eu seja o primeiro homem sincero, quer que me ponha em contradição com milhares de anos... Eu, primeiro entre todos, descobri a verdade, pelo facto de ser o primeiro a considerar a mentira como mentira e a senti-la como tal. O meu génio está no meu olfacto... Protesto como nunca se protestou, e sou no entanto o oposto de um espírito negador. Sou um alegre mensageiro, tal como jamais se viu, conheço tarefas tais, tão altas, que até agora nem sequer existiu a mínima noção delas.





Os capítulos deste livro